Venho voltando da casa de minha madrinha que acaba de falecer. Voltando da casa de minha madrinha pela rua dourada de casas antigas, trajeto que sempre fiz esses anos todos, mesmo depois que, aos 12 anos, deixei de morar com ela. Da casa de minha madrinha só me resta um tesouro: os olhos daquele garoto que morava numa das casas douradas desta rua. De minha madrinha, agora só me lembro da doçura com que me disse “é um bom menino, estudioso, de família muito trabalhadora, mas ainda é muito cedo para vocês, não é não, querida?” Cedo era, mas nem por isso apagou-se a lembrança do coração disparando todas as tantas vezes em que, indo ou vindo por esta rua, meus olhos tropeçaram nos dele, fixos em mim, iluminando-lhe o rosto emoldurado pela janela de sua casa dourada. Muito tarde para lembrar, mas não esqueço nem a tola cumplicidade da nossa timidez, seus olhos a escorrerem juntos com os meus até o chão da rua, bem ali adiante, onde ainda está a casa dourada em que ele morava. Ao passar em frente a ela, sou fisgada pelos mesmos olhos que me seguiram esses anos todos. Meu coração dispara enquanto, pela primeira vez, nossos olhos se mantêm interligados, sem escorrerem até o chão da rua. Mas os dele não me reconhecem, e os meus também não reconhecem o dono deles. Pouco importa. Venho voltando da casa de minha madrinha pela rua dourada de casas antigas, tão dourada como no tempo em que a vida morava aqui.
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Fonte da imagem:.http://daijoji.blogspot.com