sexta-feira, 7 de maio de 2010

Treze contos de réis

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1. Água-viva

Miúda e tímida, chegava e nem era percebida. Que a

molestassem, porém, por intento ou descuido, para ver o quanto

ardia tanta transparência.

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2. Tarde demais

Concluiu que a vida é para ser vivida, mas tarde demais: não tinha onde sepultar o enorme cadáver do nada que vivera até então.

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3. Feia e azarada

Era uma lagartixa tão feia que só conseguiu seduzir um sapo. Que logo estragou tudo, virando príncipe.

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4. O Fim da espera

Cansou de esperar. Por qualquer coisa, até mesmo pelo sinal abrir. Então abandonou o carro e foi, calmamente, a pé para casa.

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5. Queira Deus

Na casa dos espelhos, já não sabia qual das mil imagens do filho era ele. Catou quantas pode e saiu. “Queira Deus que uma dessas seja ele.”

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6. De verdade

Um cara inteligente, sensível e verdadeiro. Assim se via, até descobrir que a única mulher que amou de verdade era uma grande mentira.

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7. O olho

É cega de um olho, mas isso não me incomoda, não.

O problema é o outro, que enxerga demais.

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8. Guardados inúteis

Nem lembrava mais o que havia no baú. “Se nunca precisei de nada, ele vai é pro lixo.” Foi preso, tão-logo acharam a ossada da ex-mulher.”

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9. Perguntas

Por que tenho de trabalhar? Para que ter casa, mulher, filhos? Tais perguntas nunca mais se fez, desde que, há muito, saiu a andar por aí.

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10. O intermediário

Amava-o ainda, não tivera ninguém depois. Quando ele quis voltar, ela disse não. Acostumara-se a falar para as paredes, sem intermediário.

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11. Anão gigante

.“Dou o que você quiser, Diabo, para me tornar grandão”, disse o anão. Agora tem 2 metros de altura, mas reclama muito de fazer xixi sentado.

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12. O terço final

Um terço da vida a juntar retalhos; mais um terço, a emendá-los. Com a colcha pronta, cobriu-se toda, emendando o terço final na eternidade.

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13. Trocas

Trocou os patins pela bicicleta, a bicicleta pelo carro,

o carro pelo barco a remo. Remaria para alto-mar,

já de olho num submarino.

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Leia mais contos de réis: 12 aqui e 11 aqui.

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13 comentários:

Lupe disse...

Cada vez melhor os seus micro contos, Tuca. Lindas as ilustrações. A última é foto mesmo?

Aline Chaves disse...

Muito bem, Tuca. Seguindo firme na progressão aritmética dos contos de réis. E sem perder a qualidade, tudo muito saboroso, a começar pelas belas e estranhas fotos que ilustram três contos. Amei o Queira Deus! E o Anão Gigante... kkkkkk ... é de fazer xixi sentado mesmo!!!

Americo Gentil disse...

Pobre anão, foi negociar logo com um diabo gay...

Antonio Alves disse...

Muito bons, como os 11 e os 12, Tuca. E estão cada vez mais enxutos, na medida certa pro twitter. Tu vai é acbra lá, cara, e não demora muito...

Clara Belisário disse...

"Terço final" é uma jóia, Tuca, mas me identifiquei muito com "O intermediário". Sei bem o quanto isso é aflitivo, como sei!

Raíssa Medeiros disse...

sou eu lá, de novo. venho em padeços agora?

Tuca Zamagna disse...

É foto, sim, Lupe. Magia da Cla.

É quase impossível ir muito além disso, Aline. Mas vou tentar chegar pelo menos ao 35 até o final de 2020.

Pode ser, Antonio. Mas sou tão lerdo que quando eu chegar no twitter é capaz de já terem lançado o nanotwitter, com mensagens limitadas a 14 caracteres.

Também gosto dos dois, Clara. Em compensação, tem no mínimo outros dois que ando com vontade de excluir.

Gostei do "em padeços", Ri. Imagino que você quis dizer: em pedaços de padecimento...

Aline Chaves disse...

OK, cobrarei os 14, os 15, os 16...os 33, 34 e 35 no natal de 2020!

Eliane F.C.Lima disse...

Nossa, acabei de me mudar e andei dizendo a cada passo: "Se nunca precisei de nada..." E tome de tascar lixeira a baixo. Caramba, será que joguei algum cadáver fora?
Eliane F.C.Lima

Azpeitia poeta y escritor disse...

Muy bellos...un abrazo desde España de azpeitia

Mínimo Ajuste disse...

Interessantíssimos!

Marcel Zaner disse...

Do cacete, Tuca. Você já tá fera nesses microcontos.

Tuca Zamagna disse...

Pode me cobrar, Aline: farei exatamente isso que você sugere. Se viver até lá.

Comigo aconteceu pior, Eliane. Um fato terrível, justo na madrugada em que escrevi o continho. Relatarei tudo numa postagem que venho adiando desde aquela sexta fatídica.

Gracias, Azpeitia. É uma honra receber sua visita e mais ainda tê-lo entre meus seguidores. Li o seu belo poema em homenagem à Andaluzia e alguns outros em seu blog. Voltarei, e com mais calma, para garimpar algumas preciosidades e repostá-las aqui, se você me permitir. Um abraço.

Obrigado, "Mínimo Ajuste". Visitei o blog: é excelente!

Sou manso, Marcel. Eles é que me atacam, vespas que são.