sábado, 27 de novembro de 2010

Da iguaria à clausura

.

Iguaria

Comia qualquer coisa com supremo deleite. Arroz passado, carne dura, feijão sem tempero. Era sonhar com a amada-que-não-tinha e tudo virava iguaria.

.

Espanto

A cada três marteladas no prego, uma no dedo. Não sei o que é mais espantoso: se ter tantos quadros pendurados pela casa ou tantos dedos.

.

Gozo

Pecava, por tanto pecado que não cometeu. Ardia, em todos os fogos que não atiçou. Gozou, com o único suspiro que a vida lhe concedeu: o derradeiro.

.

Crescemos juntos os três: inseparáveis: um só. Agora que a idade avança não mais lentamente e para frente, mas como um raio, nos perguntamos: Que é daquele que fomos senão esta sombra solitária de três corpos?

.
Perguntas

Você me ama? Gosta dos meus cheiros naturais? Fico sexi, ruiva? Chupo bem? Sou mais santa, puta, ou mais puta, santa? Faço perguntas demais? Isso é um sim???

.

Cabeça

“Se queres fazer algo que preste na vida, mantém sempre a cabeça no lugar, porque...” – disse o pai. Mas o filho só ouviu a voz cortante da guilhotina que acionara.

.

Altitude

'Elogio não levanta o moral, sucesso não sobe à cabeça, leitura não eleva ninguém: você é que inventa a altura que supõe merecer' – supôs ter lido.

.

Clausura

– Aceitaria a clausura de qualquer grupo que aceitasse, de bom grado, a repulsa que causo aos grupos.

.

¬ ¬ . . . . ¬ ¬ ¬ ¬ ¬ . . . . ¬ ¬ ¬ . . . . ¬ ¬ ¬ ¬ ¬ . . . . ¬ ¬

Imagens:

Iguaria, Gozo e Altitude ­ http://thehottestshit.blogspot.com

http://heliojesuino.wordpress.com

.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Cândidos nas vitrolinhas

.

Anga Mazle.. . . . .

Na postagem anterior, Teophanio Lambroso comentou sobre o novo CD da cantora e compositora paulista Simone Guimarães – Cândidos – que será lançado em dezembro, durante turnê que terá shows em Fortaleza, São Paulo, Ribeirão Preto, Brasília e Rio de Janeiro. Teopha implicou com o titulo do trabalho, especulando se seria uma referência ao indigenista Cândido Rondon ou a João Cândido, o heróico líder dos marinheiros na Revolta da Chibata, que acaba de completar 100 anos. Muito sonso, como se não soubesse que o CD é todo dedicado a composições do cearense Isaac Cândido. E ainda aproveitou para implicar também com a própria Simone, pelo fato de uma paulista estar, segundo ele, “traindo a raça” ao gravar músicas do Ceará num momento em que ocorrem manifestações altamente preconceituosas de paulistas contra os nordestinos.

Então nos lembramos que da mira irreverente e cáustica do Teopha escapou o Cândido mais associável ao CD e, por oposição, ao momento de intolerância fascista protagonizado por aqueles paulistas: o grande pintor brasileiro Cândido Portinari. Paulista, de Brodowski, Portinari tem em sua obra diversas telas e murais cujo tema é a vida da população pobre no Brasil, dentre eles o famoso Retirantes (ao alto) que retrata o drama das vítimas da seca no Nordeste.

Comeu mosca, hem, Teopha!

E Portinari e Simone Guimarães são apenas dois dentre muitos artistas de São Paulo que souberam olhar, candidamente, para a vida e a cultura daquela região que, apesar de todas as condições adversas, deu ao Brasil nomes da grandeza de José de Alencar, Gilberto Freyre, Câmara Cascudo, Gonçalves Dias, Graciliano Ramos, João Cabral, Franklin Távora, Jorge de Lima, Ariano Suassuna e tantos outros.

Já que falei no grande pintor Portinari, posto também uns quadros da cantora, com apresentação dela mesma.

Vitrolinhas Guimarães



. . . Clique para ampliar as imagens!


Veja as minhas Vitrolinhas.

Adoro elas. Já fiz várias e pretendo fazer muitas mais.

Nelas se toca a melhor música, a música dos meus sonhos.

Jackson do Pandeiro, Chet Backer, Milton Nascimento, Chico Buarque, Cesária Évora, Inesita Barroso, Tião Carreiro e Pardinho, Pena Branca, A Estória da Dona Baratinha, A Formiguinha e a Neve, Tom Jobim, Guinga, Edu Kneip, Isaac Cândido, eu mesma e vários outros do meu coração... Um de cada vez. Ou, algum dia, quem sabe, todos ao mesmo tempo, cada um na sua vitrolinha.

Por tudo isso, mostro essas para você.

Escolha uma e ouça... ouça a música do seu coração.

Beijos,

Simone Guimarães

.

domingo, 14 de novembro de 2010

Paulista de cabeça chata

.


Teophanio Lambroso . .

Meu parceiro Tuca Zamagna anda todo empolgado com o novo CD de sua amiga Simone Guimarães, cantora e compositora de Santa Rosa de Viterbo, megalópole paulista cuja periferia abrange cidades como Franca, Sertãozinho e Ribeirão Preto. Para o Tuca, o disco, que será lançado em dezembro, é um dos mais bonitos que ele ouviu nos últimos tempos. Disse que ficou muito comovido com a escolha do repertório, todo ele de músicas cearenses, compostas por um tal de Isaac Cândido e letradas por diversos poetas, todos também cabeças-chatas da terra do Fagner – que aliás dá as caras (a tapa?) nessa bolachinha, intitulada Cândidos.

Nem ouvi o CD e já não gostei. Minha indisposição já começa pelo título. Por que Cândidos? Esse nome lembra o Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, que passou a vida toda mais preocupado com os índios do que com os inúmeros deveres de um graduado oficial na caserna. Lembra também o João Cândido, arruaceiro naval cognominado o Almirante Negro, por liderar a famosa Revolta da Chibata. Ora bolas, se era para homenagear alguma alta patente militar indisciplinada, que o CD se chamasse Castelos brancos, que além de soar muito mais poético homenagearia um indisciplinadíssimo marechal cearense – Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro ditador empossado pela trupe de trapalhões golpistas de 1964.

Pra piorar, o Tuca ainda veio me dizer que o Isaac Cândido é um puta talento, compositor de melodias sofisticadas e harmonias ousadas. Ah, sai pra lá. Talento pra mim têm os compositores de funk, pagode e forró eletrônico, que fazem as tchutchucas e preparadas sacudirem o esqueleto bem forrado de filé mignon e abanarem o abundante rabinho, encachorradíssimas pra cima do Teopha aqui. Isso, sim, é sofisticação e ousadia que tocam o coração e outros órgãos pulsantes do canalha do bem que vos bloga!

Não estou nessa, não, meu caro Tuca. Vão você e o (Brigadeiro?) Isaac procurar sua turma, que é essa com a qual a Simone Guimarães vive metida, nos palcos, nos discos e nas parcerias: Milton Nascimento, Dori Caymmi, Francis Hime, Ivan Lins, Toninho Horta, Guinga e outras estrelas que não brilham nem jamais brilharão no céu enluarado de mulheres lindas e gostosas do universo teophânico!

Pra não dizerem que não sou justo

A paulista Simone Guimarães nega a "raça", ao seguir na contramão da última moda em São Paulo, que é atacar ferozmente o povo nordestino, o qual, segundo uns autonomeados porta-vozes da classe média de Sampa, estaria eclipsando a cultura paulista e brecando o desenvolvimento político-econômico de seus próprios e superiores umbigos.

No entanto, para ninguém dizer que estou sendo injusto com a moça, psicografei de próprio punho uma mensagem (não do Além, que pra defunto não dou essas intimidades) da Simone Guimarães quando criança (essa da foto lá em cima). Pedi a ela, naturalmente, autorização para publicar o manuscrito aqui. Como a cantora me garantiu que nunca disse nem escreveu o que está no texto por mim recebido do passado, façamos de conta que a mensagem é mera ficção. (Mas, cá entre nós, leitor(a) amigo(a): veja como a garotinha já dava toda a pinta de que um dia trairia, com ímpios nordestinos, a casta casta mediana paulista de cujo ventre a ingrata nasceu!)

Mensagem do Aquém

Alô, ceguetas: cliquem na imagem para ampliá-la!
.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A palavra mágica

.

Ao companheiro Horacio Companheiro

Era uma vez, muito tempo atrás, dois meninos que viviam em lados aparentemente opostos: Luisinho engraxava sapatos, com a graxa que a família de Zezinho fabricava. Um dia, calhou de Zezinho ter seus sapatos engraxados justamente por Luisinho. E Zezinho logo percebeu que Luisinho conversava muito melhor do que engraxava sapatos.

– Onde você estuda, Luizinho?

– Estudar? Não tenho tempo pra isso, não. E você, Zezinho?

– Também larguei os estudos faz tempo. Por falta de tempo também.

– Você engraxa onde?

– Em lugar nenhum. Nunca engraxei sapatos.

– Nunca? E como um menino pode levar a vida sem engraxar sapatos?

– Às custas de vender a graxa que os meninos que engraxam sapatos usam.

– Puxa, Zezinho, então nós somos dois diferentes praticamente iguais!

– E não é que é isso mesmo, Luizinho? Bem que eu percebi que você falava muito melhor do que engraxava sapatos.

Serviço terminado, Luizinho guardou a graxa e a escova na caixa de engraxate, pendurou-a nas costas e saiu caminhando e encompridando a conversa, orgulhoso e envaidecido do brilho dos sapatos de Zezinho, também orgulhoso e envaidecido de merecer a conversa brilhante que estava tendo com Luisinho. Conversa vai, conversa vem, acabaram chegando a uma ladeira que levava a um palácio no qual parecia que dois meninos como eles podiam fazer muita coisa boa juntos, desde que descobrissem, segundo Zezinho, a palavra mágica que abria as portas do palácio.

– Que palavra será essa, companheiro?

– Eureka!

– Eureka?

– Não, Zezinho. Companheiro!

– Companheiro, companheiro?

– Sim. Você descobriu a palavra mágica: companheiro, companheiro!... Veja.

As portas do palácio acabavam de se abrir.

E eles trataram de subir a ladeira, juntos, e entrar no palácio. Lá dentro, fizeram muita coisa boa juntos durante vários anos. Não todas que sonhavam fazer, mas muita, muita coisa boa. Dentre elas, outra descoberta importante: a de que a palavra mágica abria muito mais do que as portas daquele palácio, porque era ela a chave-mestra para abrir as portas de todos os palácios do mundo.

Daqui a pouco, os dois meninos vão deixar o palácio. Descendo a ladeira juntos, deseja Luisinho. Juntos, sim, garante Zezinho, mesmo que um deles não possa fazê-lo de corpo presente. Porque não há palavra nesta vida, nem em outras que porventura existam, companheiro leitor, que possa fechar as portas que ligam dois companheiros de verdade.

W..... ............... M..... ............... W

A história de Luisinho e Zezinho me foi contada pelos olhos desses senhores que aparecem na foto acima. Mas a palavra mágica, eu já a conhecia há mais de 30 anos. Há uns 25, quando o seu poder mágico era reconhecido e respeitado por quase todos os brasileiros, escrevi o texto que está no boxe abaixo. Uma sátira ao seu uso generalizado nos meios sindicais e também entre os integrantes do jovem Partido dos Trabalhadores. Hoje, republico esse texto em homenagem ao companheirismo de Luisinho e Zezinho.

Clique para ampliar.!!!

.