1. Autoridade
Tato, nunca teve, mas olfato e visão não lhe faltavam. Foi, portanto, com autoridade que informou ao marido: “Venâncio, você é um cocô!”
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2. Agridoce
Ao ajoelhar-se, a jovem viúva derramou gotas da palidez profunda de seus seios. O padre pôs-se a sorvê-las com os olhos, ali mesmo, na igreja. Nunca provara nada assim, tão agridoce de desconsolo.
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3. O tesouro
Quebrou o espelho, que refletia sua boca de caçapa um terço maior do que ela era. Comprou outro, e descobriu que o antigo reduzia em dois terços a sua tromba.
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4. Se você quer saber...
Quase não abria a boca. Quando abria, só saía isso: “Se você quer saber...” Nunca ninguém quis saber.
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5. Felicidade
Na madrugada, bebendo com amigos, dois anos após a traumática separação, assumiu que era feliz: “Sim, eu sou, mas a falta dela ainda me dói às vezes... que nem um coice na cara!”
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6. Pergunta oportuna
No meio da transa, ela perguntou: “O que é que dá na gente que a gente acaba dando pra quem a gente não quer dar?”
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7. O pichador
Picha seu próprio nome em cemitérios, nas campas sem identificação do finado. Não é nada, não é nada, já é o cara mais sepultado do mundo.
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8. Praça
Duas pombas aos arrulhos, namorando no cocuruto da estátua. A mulher correndo e arrastando pela coleira sua cadela no cio, perseguida por todos os vira-latas da praça. E o velho, sentado no banco, quebrando a cabeça numa palavras cruzadas: “prática à qual a libido induz... quatro letras...”
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9. Trova de exu
Em louvor de um exu, jogou no mar a garrafa de vinho. Estranhou que ela não afundasse, então apanhou-a e viu que estava aberta. Dentro, só havia vento e um bilhete em versos: “Não bebo vinho barato/ Nem pinga que mal me cheira./ Jogue este vento no mato/ E a garrafa na lixeira.”
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10. Interdição
A primeira mulher era meio disforme e catingava, a segunda era pele e osso e falava cuspindo. Desisti. Em dias assim, em que a imaginação está na TPM, a masturbação é impossível.
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11. Borboletas
“Ó leleta monita, mamãe!” A mãe, paralisada de pânico, demorou alguns segundos para tentar salvar a filha do maribondo que lhe pousara na mão. Quando quis agir, a tarde caía e a menina e o maribondo subiam, borboletas a flanar prateadas pelo azul enegrecendo.
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12. Ah, o amor!
Entrou em casa sem acender a luz da sala, pé ante pé, para não acordar a mulher amada. Tropeçou no tapete, derrubou a TV e entrou de cabeça na cristaleira. A mulher, lá do quarto, gritou: “Pra me fazer acordar irritada, sua besta, basta sussurrar no meu ouvido aquelas baboseiras românticas que você adora!”
Leia mais contos de réis aqui.
12 comentários:
Gostei pra caramba! x]
Tô gostando de ver, seu Tutuca! Mais uma leva de ótimos continhos, não tão curtos quanto os da primeira leva mas bem mais densos. Amei o lirismo absurdo de Agridoce e Borboletas, e ri muito com Autoridade, Pergunta Oportuna, Interdição e Ah, o amor!
Você tem uma cabeça esparramada porém sintética, Tuca. Pode isso? Pode. Com maluco, tudo pode!
Muito bom! Já perdi muito tesouro por problemas com o espelho...
Puta que pariu a Pergunta oportuna - FALA SÉRIO!
Mano velho, e não é que você está ficando bom demais nessas coisas. Interdição é meu preferido, um primor. Fico invejado desses enxugamentos, mas, aqui em Minas, não dá. Aqui, cada palavra é uma frase, e não há sentença que não seja questão.
Dá, sim, Paulinho. É só você pegar uns assuntos do cotidiano e mandar ver:
"Katinha era magrela que só. Toda semana passava no açougue e de lá saía com bons nacos de filê, chuleta e maminha. Então descia a Afonso Pena, bem serelepe e sensual, balançando as carnes."
Muito bom! Principalmente Pergunta Oportuna, Praça, Trova de Exu, Interdição e Ah, o amor! Depois dos 11 e 12, vai ter os 13 contos de réis?
Ótimos seus continhos, Tuca. Agridoce e Borboletas sõ meus preferidos.
Concordo em parte com a Denise, esses 12 são mais densos que a maioria dos 11 contos da postagem anterior. Mas lá tem alguns bem densos também, como A muralha, por exemplo, que é excelente.
Vai fundo, Tu(tu)ca, você acertou a mão na produção desses pequenos contos. Os 11 primeiros já estavam muito legais, esses 12 estão melhor ainda. Que venham os 13, os 14, os 15... Eu posso garantir que quando chegar à postagem dos 100 contos de réis você já terá sido indicado ao prêmio Nobel de literatura. Por mim, pelo menos... Bjs
Valeu, Antonio, Celinha e Aline!
Antecipa esse Nobel, Aída. Para chegar a 100, publicando assim, aumentando um conto a cada leva, eu morro antes de chegar à leva 50.
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