quinta-feira, 18 de março de 2010

Amiga Desaparecida no Inconsciente Coletivo

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Eu fiz uma promessa a uma bela amiga que nunca lera nada do Campos de Carvalho até conhecê-lo, aqui, lendo um trecho de O púcaro búlgaro que postei há quase um mês. Eu prometi à minha bela amiga que postaria um trecho de Vaca de Nariz Sutil, tão logo encontrasse o meu exemplar do romance. Não, não foi nada disso: o Vaca nunca desapareceu, ele está há anos pastando bem embaixo do meu focinho nada sutil, tanto que fiz a tal postagem um dia depois da primeira, bem antes de fazer a promessa à minha bela amiga.

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Afinal, que diabo de texto do Campos de Carvalho eu havia prometido à minha bela amiga postar? Ou será que prometi a ela fazer nova postagem sobre ele sem definir de que livro extrairia o texto? Pensando bem, será que fiz mesmo alguma promessa? Minha bela amiga de fato nunca lera nada do Campos de Carvalho? Terá sido ele ou um texto dele que me apresentou a ela? São perguntas que só mesmo minha bela amiga (ou a bela amiga dele) pode responder – isto é, poderia, se eu conseguisse lembrar ao menos o seu nome, ou o nome de alguma amiga (minha ou dele, bela ou não) que goste ou possa vir a gostar da literatura dele (ou de mim).

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Quem souber o paradeiro de alguma amiga (minha, do Campos, sua, leitor, ou de qualquer um) que esteja desaparecida de mim, por favor contate imediatamente este blog. Pago bem por qualquer informação. E pago adiantado, com a crônica a seguir, umas das muitas – tão poucas! – que Campos de Carvalho publicou no legendário Pasquim:

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Vocês já devem ter ouvido falar no Inconsciente Coletivo. Eu já ouvi uma vez na esquina da Ouvidor com Gonçalves Dias: me lembro de que chovia.

Para mim o Inconsciente Coletivo sempre foi uma outra coisa, é simplesmente um ideal inatingível: todo mundo agindo inconscientemente como se estivesse em pleno carnaval, sem dar a mínima para o imposto de renda ou o câncer e levando a vida no flauteado, como Pã na floresta, no tempo em que havia florestas. O executivo com a sua pasta seria um maluco nesse mundo visto de cabeça para baixo, como já o é mesmo visto de cabeça para cima – e os relógios andariam da direita para a esquerda só para chatear, sem outro objetivo que o de chatear; quem quisesse saber das horas que fosse perguntar ao bispo. Freud não entraria na jogada, nem ele nem nenhum criador de sistema nenhum; já o sujeito pensar num sistema mostra que é um sistemático (o que não quer dizer que quem pensa em asma seja forçosamente um asmático) e deve-se sempre fugir de qualquer tipo de sistema, sobretudo deste de querer fugir de qualquer sistema.

A deusa Razão inventada pela Revolução Francesa deu no que deu – e o negócio é apelar para a não-Razão, que pelo menos nos hospícios tem dado ótimos resultados e só de Jesus já deu mais de cem mil. (É verdade que também tem dado Napoleões Bonapartes, mas não se pode exigir nada perfeito neste mundo.) Só é doido quem não é, li outro dia no jornal, e o autor da frase só podia estar maluquinho da silva, que nunca vi frase tão sábia em toda a minha vida. Deve estar em alguma camisa-de-força a esta hora, a qual só lhe pode dar ainda mais força. SÓ É DOIDO QUEM NÃO É: meu Deus, fazei com que eu acredite piamente nesta verdade de cristal, e dai-me sobretudo forças para segui-la à risca, pelo menos até a morte.

Mas o inconsciente coletivo é uma utopia, como tudo que é coletivo, gregário, grupal, feito pela ou para a multidão, pois até prova em contrário não somos abelhas ou térmitas, infelizmente para nós, é bom que se acrescente. Estou falando do inconsciente coletivo tal como o entendo e disse acima, por sinal que da maneira mais lógica e consciente possível, o que já demonstra a sua utopia. Louco se é sozinho, e mesmo numa casa de loucos cada um está sozinho no seu canto com a sua loucura: It is impossible that tiger mate, já dizia o poeta, e a verdade é que os tigres não costumam mesmo andar juntos. Nem os tigres nem os sábios, acrescento eu: até hoje ninguém ouviu falar de invenção nenhuma feita por um agrupamento ou uma multidão de pessoas, só se descobre em grupo ou em multidão aquilo que é óbvio. E às vezes nem mesmo o óbvio. A vida é a sós – e, o que é pior, também a morte.

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Leia mais Campos de Carvalho aqui e aqui!


7 comentários:

Simone Guimarães disse...

Realmente o Campos é do Carvalho e vice- versa!
O Campos está para o Carvalho assim como o Tuca está pra nós!!

Lembro como se fosse hoje o Livro da nossa querida Adélia e faço aqui minha paródia menor:Inconsciente coletivo é coisa pra Homem, Doido é "desdobrável!"

Simone

PS: Vou comentar a verificação de palavras: MORAIZER:
Espécie de moral deformada pelo alzheimer!

Rindo de nervoso... ainda disse...

Não, não e não. Não adianta insistir. Afinal, Uberaba é uma grande cidade. Ninguém conseguirá me provar que o Campos era apenas mais uma persona do Chico Xavier. Concordo até que seus escritos convivem com tons psicográficos. Theophanio (alcunhado Tigrão do Pontal) que teve, ainda adolescido, um ti-ti-ti com o Chico, pode trazer à luz o depoimento definitivo.

Luisa Queiroz disse...

Fantástico, Tuca! Sua introdução surreal é tão apropriada que a gente entra na crônica do Campos de Carvalho sem solavancos, já no clima. E a crônica, o que que é isso?! Maravilhosa, parece parte do Púcaro ou da Vaca, as únicas coisas dele que já li. Serei eu a sua amiga desaparecida?
Bjs

Natalia F Saturnino disse...

O Campos de Carvalho realmente é ótimo. Já viciei, por sua culpa Tuca. Achei em sebos virtuais e encomendei o Púcaro Búlgaro e A Lua vem da Àsia. Como a Luisa, também adorei a sua introdução.
E você, primo Saturnino, continua às turras com o Tuca, né? Ô amor...

Mario Vivarini disse...

{..Eu também já ouvi falar desse tal "inconsciente coletivo". Mas como tenho andando mais sozinho ultimamente, compenetrado no mundo que tá virado de cabeça pra baixo dentro da minha "cabeça", ainda não o encontrei. Ih! Devo ser esse executivo com a pasta, já que mesmo sozinho ando pelo meio da multidão, e a vejo em pé, no reflexo do meu cristalino. Ou será que sou o doido? Devo ser sim, pois também sou sistemático, aliás, maniático. Dentro desse inconsciente coletivo, "conscientemente" não deveria, mas confesso: não quero ter medo da morte..} Seu texto é show, Tuca!

Tuca Zamagna disse...

Gostei de ficar bestão por eessa sua comparação, Simone.
Paródia menor, coisa nenhuma. Os doidos aplaudem, a começar pela própria "Dona Doida".
Seja lá o que for essa "moraiser", por favor, não comente, não aqui neste blog sério e, acima de tudo, ético. Se fizer isso, vou dedurar praquele pastor o que você andou espalhando sobre os "altéricles" dele...


Duvido que alguém tente lhe provar isso, Paulinho. Mas se tentarem, pouco importa: o Campos já virou pó, assim como o primo Chico que, por ser menos ateu, talvez ainda creia na possibilidade de reencarnar nem que seja num pote de café solúvel. Quanto ao Teophãnio, a única coisa que ele traz à luz são certos detalhes anatômicos das barangas que ele traça, quando seu abajur resolve colaborar.

Tomara, Maria Luisa,tomara mesmo que você seja a minha amiga desaparecida. Meu coração já se enche de esperanças trepidantes de borbulhas como uma rodela de comrimido efervervente colocada no boca qual hóstia.
Pode espalhar por aí, Natália, que a minha introdução é almente poderosa.

Tuca Zamagna disse...

Bem-vindo, Mário. Pode pegar seu seu material que breve vamos voar pelos ares, descobrindo ousadias a mil por hora!