quarta-feira, 28 de março de 2012

Rinocerontes - 2ª manada



Em dezembro, postei uma manada de 12 rinocerontes criados por diversos amigos pintores, chargistas, caricaturistas e por mim, para comemorar o 102º aniversário do teatrólogo e romancista Eugéne Ionesco, cuja obra mais conhecida no Brasil é a peça Rinoceronte. Fiquei devendo uma continuação, com os trabalhos que na ocasião não pude postar por excesso de peso: 25 paquidermes é dose pra carreta – e o Blogger é um burro-sem-rabo. 
Acabei deixando a postagem da 2ª manada para hoje, 28 de março, quando Ionesco completa sua maioridade como defunto: 18 aninhos bem morridos e pouco lembrados – o que seria um absurdo, não fosse ele um dos expoentes, ao lado de Samuel Beckett, do chamado Teatro do Absurdo. Aqui vão mais 13 rinocerontes, ilustrados por textos absurdamente realistas.


Tetrarrinus, o rinoceronte brasileiro
.
   Desenhista anônimo. . . . . . . . . .  . .  .  . . .

 O Tetrarrinus foi avistado e desenhado pelo naturalista polonês Jean-Cristof Zamenhof, durante a expedição científica que empreendeu pelo Alto-Oiapoque no início da década de 1890. A página faz parte do diário da expedição e o fac-simile nos foi enviado pela FB Editorial, que detém os direitos de publicação do que resta do diário e da tese de doutorado sobre ele, de autoria do pesquisador Modesto Leal.
Ocorre que recebemos também, do autor da tese, cópia de desenho anônimo que ele diz ser a prova de que tal página do diário foi falsificada pela FB Editorial. O pesquisador informa ainda que Jean-Cristof era esquizofrênico, tendo anotado, “sem desenhar”, a visão de um rinoceronte, durante a travessia da Ilha de Marajó. “Parece-me evidente – diz Leal – que o cientista delirou ao avistar algum búfalo da ilha.”
(Ambos os desenhos são, na realidade, do recém-falecido artista plástico Hélio Jesuíno, com quem eu vinha desenvolvendo a história dessa expedição fantástica. Ele chegou a fazer algumas páginas com vários desenhos a bico de pena “de Jean-Cristof” e a postá-las em seu blog: heliojesuino.wordpress.com/ ).

 
Súbito como uma interjeição
 .
 Hermé.. . . . ....... .  . .
  
Conheço o Hermé de nomes (ele tem vários) há tempos. Agora, nos reencontramos no feicebuque e já começamos a entabular grandes planos. O primeiro deles é bastante ousado, um desafio e tanto, mas temos fé que será possível realizá-lo nos próximos 20 ou 30 anos: nos sentarmos num boteco pra beber cerveja com nosso grande amigo comum, o Hélio Jesuíno.
Hermé teve intensa participação nesta postagem, com dicas enigmáticas e críticas codificadas sobre questões que nada tinham a ver com o assunto. Tudo, graças a sua gentileza rara e também à profunda ignorância que vem acumulando sobre rinocerontes desde a Páscoa de 2002, quando encontrou, por acaso, uma pequena manada deles dançando minueto na sala de espera de seu psiquiatra.
– Eles conseguem voar sem bater as asas, já reparou, doutor?
– Os rinocerontes, Hermé???
– Não. Os aviões.


O Carroceronte
 .
Jorge Eduardo. . . . ...... .

 Isso é só um esboço, o embrião de um projeto. Mas quando o Jorge Eduardo terminar de pintar, ele e seus pincéis-de-condão de hiperrealizar... o motor vai roncar – ou melhor, vai bramir, como todo rinoceronte que se preza. Então, embarcaremos nós dois no Carroceronte e ganharemos as ruas, Jorge dando tiro de meta em tudo que é carro murrinha e buzinador, e eu selecionando, para ele catapimbar, certas velhinhas que, chova ou faça sol, saem às ruas com o único objetivo de enfiar as barbatanas da sombrinha no meu olho. Ah, mandaremos essa corja toda à rinogenitora que a pariu. Mandaremos mesmo, sem dó nem cascadura, em defesa da sagrada pátria de havaianas!
--- Aiôôô, Rin-tim!!

 
O Ornitorrinoceronte
.
Luiza Nogueira Maciel. . . . ....... .

 A Luiza foi à Austrália para nos trazer esse belo espécime de Ornitorrinoceronte. Ela trouxe também mais três rinos daquele país de animais estranhíssimos, o mais curioso deles um pequeno canguroceronte, com 0,35 quilo de peso. Mas esses só serão postados um de cada vez, nos próximos eventos ionescos anuais do Desinformação Seletiva.


Bronze de argila / Argila de bronze
.
Salvador Guilherme Dalí Toledo . . . . . . . .. . . . .. . . .


Guilherme Toledo, meu querido mestre de cerâmica, não pôde participar desta farra rinocerôntica, por problemas particulares. Não pôde? Não podia. Porque esbarrei numa foto desse rinoceronte esculpido por Dalí e, brincando com a imagem, descobri que, na inversão de cores, o bronze azinhavrado “virava” terracota. Na brincadeira não podiam faltar os piões de Mestre Gui, alguns tão grandes que ele precisa recorrer à queima em forno de cerâmica industrial. O maior deles (por enquanto!) tem quase 3 metros de circunferência – número superior, provavelmente, ao de neurônios da cliente que o encomendou. Para ter o piãozão em casa, a desvairada senhora precisou fazê-lo entrar pela janela... no 17º andar!

. .
O Minhoceronte
..
 Theopha . . . . . . . .. . . . . . .

Esse exótico rinoceronte foi encontrado, como divulgou amplamente toda a mídia, no jardim de um condomínio de luxo da Barra da Tijuca, país vizinho ao Rio de Janeiro. Foi batizado de Minhoceronte pelo jardineiro que, ao revolver a terra de um canteiro, o encontrou contorcendo-se feliz da vida no meio das minhocas. Zoólogos já descobriram características interessantíssimas sobre a nova espécie, tais como:
1 – O animal é hermafrodita – metade macho, metade fêmea;
2 – A metade fêmea tem a língua bem maior que a da metade macho – e fala, numa língua ainda não identificada;
3 – A metade macho tem orelhas muito menores e não ouve nada do que a metade fêmea diz;
4 – A metade fêmea tem a bossa cervical bem menor, o que levou os cientistas a acreditarem ser ela menos inteligente. Num segundo momento, porém, verificou-se que a bossa não continha o cérebro – e sim o intestino;
5 – A metade macho é mais chifruda;
6 - A prática sexual do minhoceronte resume-se ao beijo, durante o qual o animal assemelha-se a uma grande rosca;
7 – A reprodução, especula-se, dá-se por cissiparidade. Conforme explicou um zoólogo, “o bicho cresce esticando, e com tal intensidade que, a qualquer momento, poderá arrebentar no meio e formar dois novos indivíduos”.


A Lelenocerontenina
.
  Lelena Terra . . . . .. ... .. .

A Lelenocerontenina, um dos muitos tipos arbóreos popularmente conhecidos como pé de nuvem, é figurinha fácil nas savanas hipotéticas e nos psicopampas. Como todas as mais de setecentas espécies conhecidas da família Nebuliaceae, distingue-se por apresentar, em vez de folhas, nuvens e, em vez de flores, seres nube-passeantes, que variam conforme a espécie. No quintal, tenho meu pé de nuvem: uma Lelenopódia Mimoesquerdata, cujas nuvens são passeadas por pés esquerdos femininos. É a mais imponente e delicada das nebuliáceas.  O único – e mínimo, irrelevante! – inconveniente é que, quando sua nuvagem amua e cisma de passar muitos dias sem chover, as lelenopódias (a Mimodestrata, igualmente) contaminam uma vasta área em torno de si com um insuportável cheiro de chulé. Eu, porém, que tenho pouco olfato e nenhum guarda-chuva, devo admitir: prefiro mil vezes tal olor às trombas d’água de rinocerontes das lelenoceronteninas.


Flávio facing a beast
.

 Fernando Domingues . . .  ..   . .. .. . .
 
Se você achou ruim essa moldura de garrafas, experimente beber o que elas trazem dentro: Underberg, a bebida predileta do Flávio Pinto Vieira, o paquiderme que o Fernando retratou à direita. Dizem que o Flávio morreu e foi para o Inferno, porque não acreditava no Céu. Mentira: ele jamais iria para um lugar no qual, sabidamente, o Underberg evapora. A verdade é que ele voltou para o Egito (onde estivera exilado nos tempos da ditadura), para mumificar-se – com Underberg – e tornar-se um charmoso e imortal hipopótamo.


 Rinocerontem
.

 Marcel Zaner. .  .. ..... .  .

O rinocerontem, segundo o Marcel, é um ancestral já extinto do rinoceronte. Tenho cá minhas dúvidas. Para mim, esse animal é simplesmente um produto de orgias, não muito antigas, entre um rinoceronte moderno, uma lagartixa, um pernilongo e o camundongo Mickey.


    Face contra face
.

Marcantonio Costa. .  ... . ... .  .

Aos 13 anos, Marcantonio decidiu o que seria quando crescesse: rinoceronte. Pretensioso, como todo adolescente normal, tratou logo de sair por aí testando a vocação especialíssima. Seu alvo preferido: as fêmeas – e a primeira a provar de sua chifrada sedutora foi “tia” Neolinda, a professora de História. Numa prova que constituía-se de uma única questão dissertativa – “O que foi o Tratado de Tordesilhas?” –,  o poeta mais badalado do momento no Baixo-Baixada respondeu em versos, com uma interpretação um tanto pessoal do famoso acordo luso-espanhol. Das cinco quadras de “Pra lá das Tordesilhas, Tiazinha” – em impecáveis redondilhas com rima que br(ilha) soberana do princípio ao fim –, reproduzimos as três centrais (que a primeira é descartável e a quinta, impublicável!): 

O rinoceronte, filha,
No além-fogo da braguilha,
Será tua luz que rebrilha
Em cada tordo, toda ilha

E nas demais maravilhas
Mapeáveis em ti, por milhas,
Dos Andes das panturrilhas
À Amazônia das virilhas,

A levar a cima, em quilha,
Os meus olhos que estribilhas
Com, dos seios, as redondilhas
Que a minha língua dedilha.

Anotação de dona Neolinda na prova: “Nota 9,5. Não dou 10 porque sou ruim em Geografia. Se fosse boa, eu dava.” E esta última frase, sem objetos direto e indireto explícitos, tornou-se a frondosa dúvida que ainda hoje martela e instiga a libido lírica do bardoceronte já feito.

 
Veja a primeira manada, aqui.
..

30 comentários:

Andrea de Godoy Neto disse...

Tuca, essa é uma postagem de peso...o da Lelena é pé de nuvem, claro, mas o do Marco vale por dois...


e os textos são fruto de uma mente maravilhosamente (in)sana, tenho certeza... e eu adorei :)

beijooo

Luiza Maciel Nogueira disse...

ah que maravilha Tuca o rino da Lelena parece que vai voar, o rino do Marco parece que quer jogar. e todos os outros tão tão rinos.

beeijos

Unknown disse...

seleção mais que natural, darwin iria adorar as espécies,



abraço

Unknown disse...

O pior é que achei que era sério.

Nem, é sériamente cômico. Escolhi para uma futura coleção o

O Ornitorrinoceronte e o Face comtra face. Essa idéia dos dados foi genial.

Claro que a poesia do Tratado de Tordesilhas, vai ferver em minha CABEÇA!

Beijos

Mirze

Americo Gentil disse...

Sensacional! Textos loucos e engraçados para imagens loucas e engraçadas!
O último texto é um primor!!!

Unknown disse...

adorei! o texto super legal.

Frederica disse...

Demais, demais, Tuca. Tão boa como a primeira manada!

Me emocionei vendo mais um trabalho inédito do grande Jesuíno.

Beijos

Dario B. disse...

Nem vou comentar os textos geniais desse embuste que atende pela alcunha de Tuca, são fantásticos, basta lê-los. E sei tb que não é nenhum concurso de ilustrações, mas não poderia me furtar a comentar aquela que achei a mais sublime, e que possivelmente passou despercebida a todos. Falo do Ornitorrinoceronte da Luiza, que, mais que o unico Paraceratherium ovíparo existente, é a ternura personificada com uma dália no bico e uma lágrima de canto de olho, talvez por saber-se unico representante da espécie. Tenho dito.

Tania regina Contreiras disse...

Tuca, seu louco, que dia péssimo hoje, não fosse eu me permitir agora parar e me me entranhar nessa manada fantástica! rs Tô rindo aqui sozinha (ahhh, que bom que alguém conseguiu isso hoje de mim!!!! rsrs)e gostei de todos, mas devo confessar que o Minhoceronte foi o meu escolhido! Viajei no texto e quase cri na veracidade de tudo...Amei todos, mas dialoguei em oroborus com esse Minhoceronte.

Beijos,

Marcantonio disse...

Vou lhe contar, sendo sincero, fazer esses rinocerontes deve ser muito mais fácil do que criar esses textos incríveis! Rs. Desconfio que nessa inconfidência biográfica a meu respeito, há uma alusão velada à predominância de senhoras e senhoritas entre os leitores da minha poesia, rs. Que posso fazer? Apenas torcer que elas não me troquem por outro para que eu não fique parecendo um Tetrarrinus.
Quanto aos dados nos chifres dos meus rinocerontes, me ocorreu que ele devem se bater pelas fêmeas, e tentei apenas propor um confronto menos doloroso, decidido na sorte. Mas é quase certo que um lance de dados não abolirá as chifradas, ou narigadas, para ser mais de acordo com a etimologia.

Curiosamente, foi aos treze anos que pintei meu primeiro quadro e decidi ser artista. Na verdade, não se tratou de uma escolha; fosse o caso eu poderia revogar tal decisão infeliz.

Bem, que me perdoem os outros (até eu mesmo já me perdoei) mas se se tratasse de concurso, votaria na interjeição do Hermé!

Abração.

Unknown disse...

Rimuitoceronte!!!

Cris de Souza disse...

Tutu, tu tá que tá! Que absurdo! A cada dia mais fera... Deu vontade de cantar: " Mentiras sinceras me interessam "

Adoraria ter um minhoceronte no meu jardim, penso que não sobraria uma minhoca pra contar a história...

Beijão a ti e aquele abraço aos rinoartistas.

Silvia Maria Camargo Rocha disse...

Tutuca, só na semana passada que tomei coragem e perambulei pelo blog do Hélio e achei o seu e outros também. Li todas as homenagens e vocês traduziram o amigo, o artista, o homem Hélio Jesuóno muito bem. Quanta emoção!!! Abri os comentários e me deparei com vários admiradores do trabalho dele e fiquei feliz. Realmente, juntando a sua persona com sua obra é conexão total, já seu discurso... coerência também tem limites. Os textos também adorei, me diverti, nunca fui blogueira mas vou tentar. Prometemos, eu e os filhos, nos esforçar para que seus trabalhos se tornem Andarilhos, pois a arte tem que ser tocada por olhos alheios, senão, não faz sentido. Contamos com os amigos(as) nessa caminhada e, vê se arruma uma tarde para conversarmos regada a umas tantas geladas, seu falador. bjão

Marcel Zaner disse...

Os rinos da galera e os teus textos estão fantásticos.

Mas dá um tempo, botar o Mickey na árvore genealógica do meu rinocerontem é sacanagem!

Abração

Maria Luísa Queiroz disse...

Cada rinoceronte que vou te contar. Um escândalo de criatividade, pessoal!
E os textos estão deliciosos, Tuca. Amei as informações sobre o minhoceronte e o caso biográfico do Marcantomio. Bjos

Hermé Antune disse...

Mano véio, ficou muito muito legal seu texto sobre o meu rino.
abraços, e está marcado o chope com o Jesuino pra daqui uns 35 anos. tá bom assim?

Jorge Eduardo disse...

O dono desse blog, na realidade é o único exemplar de rinoceronte bípede, conforme registra o penúltimo número do Almanaque Capivarol.
Esse detalhe é importante ao analisarmos os comentários sem pé nem cabeça – mas com grande sabedoria – sobre os trabalhos das duas manadas.

Aline Chaves disse...

Juntando com a primeira manada, essa coleção de rinocerontes é o máximo!

Gostei de todos, Tucá, e também dos seus abalizadíssimos comentários sobre cada um... rs

Os dois desenhos do Helio Jesuino e a sua explicação final sobre a origem dos trabalhos me deixaram curiosíssima sobre a tal expedição. Você pretende concluir a obra e transformá-la em livro? Nós, seus leitores e admiradores do grande Helio, merecemos, não?

Beijo

Clara Belisario disse...

Estonteante! Muito humor e elegância em tudo.
Bjs

Wilden Barreiro disse...

me arrependi de não ter participado.
o ótimo nível geral dos trabalhos iria emoldurar com adequada discrição a excelência do meu saciceronte..
.

Carla Diacov disse...

AbisMada!

Celinha H disse...

Maravilhosos todos os rinocerontes! E seus textos não ficam atás, absurdamente engraçados!
Beijos

Antonio Alves disse...

Neste momento em que os rinocerontes estão seriamente ameaçados de extinção, esses espécimens "novos" são uma excelente pedida. Muito bom, Tuca! Tudo, as imagens e os seus textos.

Abração

Emilia Amarante disse...

tudo eugenemente ionesco!!!
parabéns, querido!
bjs

Deco disse...

kkkkkkk...Tô rindo de imaginar essa manada muito doida pelas ruas. Mudaria a ordem mundial, fim da globalização, início da rinocerontização!
abraço

Jey Cassidy disse...

essas manadas estão de arrebatar qualquer dadá desavisado olhando os perdizes passando! esse último poema fez a dada-menina.moça querer se tornar a dadá-sexyinside-esperando.na.janela! as ilustrações estão dadá-inspiradoras e os textos sensacio-dada-nais!

bjs bjs

Marilia disse...

Tutuca
Do seu texto sobre o "Flavio facing a beast" só não concordo em dizer que o underberg é ruim...Aliás, a moldura só valorizou o desenho do Fernando....
Bjs
Marilia

Anônimo disse...

Saudações quem aqui posta e quem aqui visita.
É uma mensagem “ctrl V + ctrl C”, mas a causa é nobre.
Trata-se da divulgação de um serviço de prestação editorial independente e distribuição de e-books de poesia & afins. Para saber mais, visitem o sítio do projeto.

CASTANHA MECÂNICA - http://castanhamecanica.wordpress.com/

Que toda poesia seja livre!
Fred Caju

Unknown disse...

(*_*) !!! fantástica reportagem

Bípede Falante disse...

Tuca, ainda que eu seja nuvem, você que é o fofo!!!
Beijoss, peste querida :)