domingo, 14 de fevereiro de 2010

Um boi filosofando

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É de Braulio Tavares este boi filósofo, a quem o escritor e compositor deu voz em sua coluna no Jornal da Paraíba, em 10.6.2008, e novamente há poucos dias no seu blog Mundo Fantasmo. Fala boi:

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“Os seres humanos são angustiados por serem bípedes. Vivem sempre com medo de cair, por isso constroem tantas edificações, para servir-lhes de apoio. Falta-lhes a base sólida das quatro patas. Locomovem-se mal, sempre à feição de quedas para a frente. Uma perna os projeta para diante, como numa queda auto-produzida, e a outra perna tem que se adiantar para salvá-los deste pequeno suicídio; mas olhem, agora é esta própria perna salvadora que os arremessa de novo para diante e cabe à outra avançar para salvá-los. Como pode prosperar em paz uma espécie assim masoquista, sempre presa à vertigem da queda?

“Como não sabem caminhar, são forçados a inventar meios de transporte pesadíssimos, custosos, que demandam a brutal extração de milhões de toneladas de minérios. Destroem tudo em volta para poderem dispor desses veículos ruidosos, porque para eles caminhar é um suplício, e precisam ser conduzidos sentados de um local para outro. Como a vertigem da queda e da auto-destruição está gravada em seus cromossomos, fazem com que suas engenhocas mecânicas se projetem pelo ar ou rolem pelo solo a velocidades absurdas, que freqüentemente os levam a colisões, esfrangalhamento físico, mortandades coletivas. Tudo isto porque não aprenderam a caminhar de quatro.

“Não sabem se alimentar. Não sabem pastar em paz como o fazemos, nem são aparelhados para a caça como a onça e outros predadores nossos. São poucas as criaturas que eles conseguem abater com as mãos nuas. Criam, para a caça, instrumentos cada vez mais complicados e custosos, indo na contra-mão da Ciência que deveria possibilitar-lhes a evolução rumo ao mais simples e mais eficaz. Com os instrumentos acaba ocorrendo o mesmo que com os transportes. Seus criadores acabam sentindo-se na obrigação de utilizá-los o tempo inteiro, e utilizá-los no máximo de sua eficiência, o que significa que acabam utilizando-os contra si próprios, para que os instrumentos não fiquem ociosos.

“Vai ver que tudo decorre da tragédia que lhes sobreveio um dia: a de deixarem de fitar o chão. Quem fita o chão não esquece a terra. Quem fita o chão é obrigado a lembrar-se o tempo inteiro de que vive num planeta onde existem a terra, a grama, a areia, a pedra, as formigas, as minhocas. Quem fita o chão nunca esquece que faz parte dele. O homem desprendeu do chão sua metade da frente, verticalizou-se, lançou seu corpo no desequilíbrio e no trauma de uma queda permanentemente evitada. Deixou de prestar atenção no lugar onde pousa os pés para fixá-la no horizonte inatingível e no céu mais inatingível ainda. Começou a imaginar como seria chegar ao horizonte, e como seria pisar no céu como se fosse um chão. Enfeitiçado pelo horizonte, pôs-se em movimento. Enfeitiçado pelo céu, passou a desprezar a terra onde pisa, e esqueceu que é feito de terra, que vive da terra, que só come o que vem da terra – e que não passa, como nós, de uma refeição que a terra prepara para si própria.”

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13 comentários:

heliojesuino disse...

porra, cara, tu sabia que eu tava reunindo material prum bestiário lá no meu blog, custava me passar essa bola?!
texto do cacete como tudo que ele escrve e cairia como uma luva no meio da minha bicharada.

Tá no nosso contencioso...

do cacete o minotauro mas se fosse lá no meu a ilustração era uma escultura do giacommeti que era obcecado pelo mecanismo daa caminhada dos bípedes implumes.

Maria Regina Lemos disse...

Maravilhoso esse texto, Tuca. Vou correndo conhecer o blog do Braulio.
Bjs

Wilden Barreiro disse...

Boi danado esse aí. Tô imaginando como seria agora em pleno carnaval todo mundo caindo de quatro na folia... hehehe

Karrão disse...

Que texto supimpa! Isto só vem confirmar que "boi voador pode", sim, ao contrário do que tantos negam por aí. Os horizontes deste nosso filósofo são outros, bem mais concretos e de simples construção. Fala mais alguma coisa aí, boi...

Tuca Zamagna disse...

Minha intenção era mesmo te dar a dica do "boi" para o bestiário do Cia. Ltda., Hélio. Mas não resisti quando pensei na ilustração. Claro que a sua ficaria melhor. Fiz um mea culpa já no próprio blog do Braulio, de modo que o mundo (fantasmo) todo já sabe da minha trairagem. Espero que o soneto do avestruz que lhe mandei dê uma abatida nesse contencioso...

Vai lá mesmo, Regina, o Mundo Fantasmo é excelente. Mas não precisa correr, fique mais um pouquinho por aqui...

Ô loco, Wilden. A orgia ia bumbar!

Que bom tê-la de novo por aqui, Karrão! Peça o bis diretamente ao Braulio. Ele vai gostar. Quanto a mim, vou falar é da "turcaiada". Leia a postagem de hoje.

Anônimo disse...

Esse boi filósofo eu manjo. Com essa conversa mole pra boi dormir de convencer os(as) outros(as) a ficarem de quatro só pode ser o Boi-chat...

Abraços,
Marcelão

Mendonça disse...

Excelente o texto do Bráulio. Bom saber que ele tem um blog. E, principalmente, que tem uma coluna em jornal. A Paraíba conta com pelo menos um colunista que é bem melhor que a maioria dos que andam escrevendo no jornais aqui do Rio.

Tuca Zamagna disse...

Essa foi foda, Marcelão. Se o cara fica sabendo... fica sabendo e mais nada, né?

Verdade, Mendonça. O Braulio escrevendo lá na Paraíba e nos aqui tendo de aturar esse monte de cocorocas.

heliojesuino disse...

Cuidado marcelão, esses comentários acabam saindo no google e já há registros de veementes protestos sob alegações as mais variadas tais como: ofensa à honra, imagem pública e reputação profissional denegrida e outras babaquices como soem alegar os HOMENS SÉRIOS.
Eu, como não costumo andar com essa gente, não corro o risco ...

abração

Anônimo disse...

Tutuca e Helio:

Que nada! O Boechat (não é o jornalista, evidentemente), nosso amigo e seguidor da Estrela Solitária, jamais ficaria ofendido com tal afirmação.
Dizem as línguas (as más e as boas) que, segundo pesquisa do IBOPSIU (Instituto Boechateano de Pesquisas Sexuais Inverossímeis e Ultrarromânticas), um significativo percentual de seu vasto manancial de louras (não vou aqui divulgar os números oficiais pra não ser injustamente muito xingado de machista) aderiu à conversa-mole-pra-boi-dormir. Corre à boca pequena, inclusive, que é ele o inventor da famosa "trepada-rodeio". O Gervásio é testemunha dessa boataria que assolou a Praça São Salvador em priscas eras.

Abraços,
Marcelão

Clara Belisário disse...

Poderoso, esse boi! A Karrão tem razão, o Braulio devia pôr esse boi pra falar mais.

Tuca Zamagna disse...

Marcelão e Hélio, vocês resolvam aí essa questão sobre o Boechat. Eu não posso dar palpite porque raramente o vejo. E quando vejo, é um braço ou um tasco brilhante da careca que escapa de sob aquela montanha de louras.

Clara, entre no Mundo Fastasmo e cobre dele!

Tuca Zamagna disse...

Marcelão, convoquei por e-mail a testemunha Gervásio de D'Araújo, que mandou a seguinte mensagem:

"Abro este e-mail no triste momento em que o meu Vascão, cheio de craques, perdeu para o Exército de Brancaleone que é este time do Fogão. Sou muito mais simpático às loucuras do Cavaleiro da Nórcia e do barrigão do Natalino do que do mauricinho Mancini. Que beleza de jogador é o Philipe Coutinho, mas já está na Inter de Milão, fazendo ponta aqui...

"Já que o assunto em pauta envolve uma verdadeira turba de botafoguenses, resta-me, humildemente confirmar a autoria do "peão careca" a respeito da tal foda. Considerando o enorme contingente de louras que habitaram, ou ainda habitam, o armário do Boechat, certamente o que se viu foi com uma delas.

"Saudações fesceninas e parabéns pela vitória !
Branca, Branca, Branca!... Leon, Leon, Leon!

Gerva"