quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

O não nascido ataca outra vez!

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Mais uns trechos da autobiografia
do estrambólico Fiophélio Nonato



Sensibilizados com a estupidez de três leitores que manifestaram discreto entusiasmo com a postagem de Poesia, o Amor a lê?, resolvemos democraticamente ignorar as pouquíssimas centenas de protestos irados contra a divulgação do referido poema e, mais do que depressa, postar trechos de outro capítulo da Autobiografia de um que nunca nasceu, antes que o blog e seus administradores e colaboradores sejam virtualmente apedrejados. Se vai chover pedras, que sejam pedregulhos reais!

Os três trechos que juntamos aqui são bem mais lights que o supracitado poema. Foram pinçados do Capítulo 27 da obra, e não porque nos pareçam os mais relevantes, mas tão-somente porque são os únicos que estão mais ou menos legíveis no emaranhado de emendas que constitui a maior parte dos originais do livro de Fiophélio Nonato. Pela ordenação que o autor estabeleceu, este capítulo aparece antes de vários outros de numeração inferior, inclusive o 2, que pela lógica comum deveria ser o primeiro, uma vez que não existe um Capítulo 1.

O Capítulo 27, todo ele é dedicado ao período em que, emancipando-se aos 15 anos e deixando a casa dos catadores de lixo que o criaram em Vila Valqueire, Fiophélio vai morar com uma coroa de 27 (arrá!) e uma cadela sarnenta num conjugado de 16,5 metros quadrados, em Ramos. Abandonado pela mulher três dias depois, fica tão indignado que resolve se transformar num avestruz.

Eis os trechos:



Compartilho convosco, meus diletos piolhos, carrapatos e pulgas, os respingos dessa caprichada punheta que inaugura meu dia em pleno nascer da lua. Admito que o avestruz que ora vos amamenta com sangue e vos confeita com esperma acordou hoje um pouco tarde mesmo, e com a cachorra! – embora sem a cachorra. Pois é, a Ana Maria, nossa vira-lata amada e imunda,
está no cio, e resolveu pular a cerca enquanto eu dormia e se mandar desta sauna apertada em que vivemos para dar uma saracoteada de biquíni pelo Piscinão. Já viram, né? A essa hora da noite, toda a cachorrada vadia de Ramos e arredores ainda deve estar se esbaldando com ela, tudo embolado dentro do pocilgão, protagonizando a maior suruba aquática da história do bairro.

. . . . . . . (...)


Não se passou um só dia,

nesta minha vida tão parca

em realizações espetaculares

mas quase infinita,
se já não o for por inteiro, sabe-se lá –,

sem o cotidiano orgulhar-me

e muito!... dos presentes ganhos:

dores fincadas bem fundo no peito
tanto quanto alumbramentos
por aves, com aves, sempre as aves,
que um avestruz só com elas
ou por elas se deixa tocar.


Um dia é uma condor azul

que me beija, com toda paixão

latente lá pelas moleiras do mundo,

e o coração me arranca e leva

para plantar no inferno dos céus:

e eu lhe sorrio e lhe sou grato.

Outro dia pode ser uma colibri

a vir rebolar-se no ar que respiro

só para me sugar até o fim o néctar

cultivado às pétalas da flor da pele:

e eu lhe sorrio e lhe sou grato.


Ave aves! Sou-lhes todo gratidão...

e ansiosa e alucinante espera,

dê-se a isso o nome que se der:

carência, neura, piti, viadagem...

saudade, nunca, nem fodendo!

que saudade, nas aves, não existe além,

não é uma pena, uma pluma perdida,

mas a mais pura e inseparável parte nossa,

e a mesma que a maioria dos homens,

beócios ensurdecidos pelo apego
ao seu
macio chãozinho forrado de bosta,

nem sabem que é a própria libido,

apenas a porra da sua sagrada libido

que, dadivosa, sussurra: voe, sua besta...


........ ..... (...)

Já imaginou um avestruz enrabando uma cambaxirra dentro do elevador?

Pois era o que eu fazia todo fim de tarde, de segunda a sexta, durante a maior parte dos quase cinco meses em que trabalhei como ascensorista de um prédio de 34 andares plantado bem na olhota efervescente do Centro da cidade, mas não tão bem como eu me plantava na olhota efervescentemente centrada nas nádegas fartas e sacolejantes da Dezinha, a cambaxirra em questão.


Dava cinco da tarde, o formigueiro pegava fogo, a cada andar um mundaréu de gente se acotovelando e trocando cusparadas para entrar logo num dos elevadores e conquistar a glória de chegar em casa uns 47 segundos mais cedo. Nem bem a porta se abria um terço, o elevador era invadido por uma manada feroz, os de trás botando pressão no rabo dos da frente, principalmente quando o de trás era homem e o rabo da frente era de mulher boa. Aí... “Epa, já tem vinte aqui dentro, meu (minha) senhor(a)”, eu dizia. “Um a mais, um a menos, não faz diferença”, argumentava o (a) cara de pau (buceta), que sempre, sei lá por que, era algum(a) rolha de poço que equivalia no mínimo a duas pessoas normais e lá vai banha. Mas eu era inflexível. Completada a lotação, não entrava mais ninguém, mesmo que fosse um anão tísico e perneta. Daí eu tinha sempre de agüentar sem chiar os olhares mais tenebrosos, não só dos barrados como dos que já haviam entrado. Olhares de alguém-peidou-mal-no-elevador-e-claro-que-foi-você-seu-avestruz-asqueroso-filho-da-puta. Juro que era exatamente isso que aquele enxame de olhos dizia, embora até hoje eu não possa atinar como essa gente consegue imaginar uma avestruz progenitora rodando bolsinha por aí.


Sobe desce sobe desce sobe desce sobe desce sobe desce... e de repente, já perto das 18 horas, o movimento decaía rapidamente, até o ponto de eu passar mais de cinco minutos parado no térreo. E eis que se acendia a luzinha divinal do 29º andar, onde Dezinha trabalhava até as 17 e depois se punha debruçada na janela, a folhear uma revista cretina qualquer a fim não só de fazer hora até o prédio ficar quase vazio, mas também de adequar o espírito para aturar o avestruz pateta aqui e, principalmente, desamarrotar a bundaça que passara o dia todo achatada na cadeira, para me oferecê-la já lisinha e empinadona, sempre em retumbante afronta à lei da gravidade e sei lá quantas outras leis muito mais poderosas que, tão logo fossem criadas, seriam prontamente afrontadas por – como ela adorava que eu o chamasse: le prodigieux derrière de mademoiselle
cambaxirrá.

Não vou entrar em detalhes sobre o que acontecia entre mim e Dezinha depois que eu parava o elevador bem lá em cima, quase invadindo a casa de máquinas, porque sou muito discreto e pundonoroso com relação a qualquer história que tenha cu de mulher minha no meio. Mas... não resisto a uma ligeira confidência. Raras coisas nesta vida podem ser tão sublimes quanto tentar ajustar o vaivém sexual ao ritmo quente mas descompassado daquela bateria de gente socando as portas do elevador nos andares mais altos por quase uma hora, cada vez mais aflita para descer logo e sem coragem de encarar no máximo 34 andares de escada. Ou, vá lá, 37, se incluirmos as três escadas rolantes das sobrelojas, àquela altura já desligadas.

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11 comentários:

JPVeiga - Variz da Meiga e Mariz Conzê disse...

Te cuida Carlos Zéfiro! Tem sacanífero na área (de serviço)

Tuca Zamagna disse...

Sacanífero, seja lá o que bem ou mal seja isso, é cada um de vocês, nesse permanente grude suspeito, Veiga, da Meiga e Conzê. E sacaníferos também com o genial e angelical Zéfiro, que não merece ser comparado com esse maluco do Nonato.

Nane Guessa disse...

Puta que pariu o avestruz - FALA SÉRIO!!!

Cris Barreto disse...

O Fiophelio é uma peça. Gostei dos três textos. não vejo de nariz torto a pornografia que ele emprega, satirizando até o pornográfico, "boicotando" o erótico, assim como no poema postado anteriormente, só que neste de maneira mais sutil. Pode me incluir na lista dos estúpidos, mas meu entusiasmo não é nada discreto. Mais, mais, mais trechos da Autobiografia!

Tuca Zamagna disse...

Teje incluída, Cris!

helvecio vieira disse...

aê a unica coisa que presta nesse blog é a Anga Masle, mas bota ela toda pelada \o/

Anga Mazle disse...

Nem pensar, amoreco abusadinho!
Isso você só pode ver ao vivo, mas só de for com e por amor, muito amor!

heliojesuino disse...

Por que não publicar o livro todo desde o início como folhetim? vai botando aí umas duas postagens por semana enquanto VC vai decifrando as tais anotações ilegíveis.

Oileh

Tuca Zamagna disse...

!Oiheh, aièdi oaB - Boa idéia, Helio!

Farei isso, embora seja quase impossível criar uma seqüência que sugira um folhetim.

helvecio vieira disse...

aê Anga eh soh marca q tamo combinado

Tuca Zamagna disse...

Se segura, Helvecio. Trate disso com a Anga por outros meios, que isso aqui não é site de relacionamentos, não.