quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Asas abertas sobre a iguana Odara


Este Samba do Avião do Crioulo Doido não vai além desse verso-título. Creio que por insuficiência de carioquice, pois ele é mineiro, no máximo mineiroca, tal qual o crioulo doido desbotado aqui. E o avião? Ah, esse decolou do Maranhão para vir sobrevoar, bem a jato, essa cidade maravilhosa que as autoridades e a grande mídia – junto com a encagaçada maioria de sua população – tentam a todo custo difamar, esvaziar e destruir. Não conseguiram, ainda, de modo que sobrou até bastante para o deleite do avião, que atende pelo nome de Adriana Araújo (mas se chamá-lo de Pólen Radioativo, nome do seu angar blogosférico, ele pousa sem reclamar dos buracos na pista).
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A noite em que falei mais do que eu mesmo!

Olha o avião durante um pit stop para reabastecimento de chope numa adega do Largo do Machado. A foto, eu a tirei mentalmente no instante em que, ainda no táxi que me levou até o local, olhei para as mesas e logo pude identificar o aparelho, cuja fuselagem e interior eu fora conhecer pessoalmente. Não esperava localizá-lo tão rápido, porque passava das 23 horas e, à noite, não distingo nada a mais de três metros de distância. Só que assim que cheguei o sorriso do supersônico maranhense espocou numa radioativa polinização, iluminando tudo e revelando em minúcias a alma de todos – exceto a do desalmado cavalheiro sentado à primeira mesa à direita.

As não mais de duas horas que ali passamos foram de muita tensão e ansiedade para mim (levando-me a falar mais do que todos os fregueses e funcionários da casa juntos!); primeiro, porque fiquei sabendo que o nosso encontro seria muito breve, e isso sempre me deixa tenso; segundo, porque a presença daquele sinistro senhor por pouco não me asfixiou de angústia.

Um pneumático e erundino cachorrão

Eis um instantâneo mais aproximado do avião, que aí preparava a aterrissagem em mim, para o nosso primeiro abraço ao vivo. Ana Claudia, sua amiga que aparece na foto anterior, acho que foi ao banheiro nessa hora. Ou tirar satisfação com o cavalheiro sinistro, que não parava de nos incomodar. Ô sujeitinho mais inconveniente! Cochichou-me que o Hélio Jesuíno morava a poucos metros dali, mas que de casa não viria mais, nunca mais:
– No máximo, aparecerá para um chopinho bem rápido, preclaro Tuca. Isso... se eu me dispuser a providenciar um indulto em caráter especialíssimo.
À Ana Claudia, o ensebado atazanava lembrando que ela deveria cuidar de não perder o vôo para São Luiz na manhã seguinte, numa evidente e pérfida alusão ao enterro de sua tia, que se fora naquele dia em circunstâncias trágicas.
– Garçom, conhece esse chato?
– De vez em quando ele dá as caras. Sempre assim, sozinho. Mas costuma sair daqui acompanhado.
– Mulher?
– Mulher, homem, criança...
– Sabe o que ele faz?
– Tem um freguês, poeta, que o conhece. Disse que ele é um... acho que um... um pneumático e erundino professor de latir!
– Arrá, eu sabia: um cachorrão!

O agregado
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 Marcantonio Costa . . . .   .  . . . . . . . .   .  . .
 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .A morte não é um invasor.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Não é senão um hóspede muito educado,
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Fleumático e erudito professor de latim
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Que ocupa o cômodo mais modesto da casa.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Senta-se conosco à mesa,
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . E com olhos fixos no prato
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Sorve a sopa rala, nossa única refeição,
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Limpa com cuidado os lábios no guardanapo,
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . E da mesa retorna ao quarto
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Com um sorriso frugal e de fingida paciência,
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . De quem se basta apenas com o antepasto.
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O bico de pena é do livro Pecados Imortais, que Hélio Jesuíno escreveu (em parceria com Sérgio Oiticica, entre outros) e ilustrou. Conheça a obra, aqui.
O agregado foi extraído de um dos blogs do Marcantonio: azultemporario.blogspot.com
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22 comentários:

Tania regina Contreiras disse...

Encontros, desencontros, morte, vida, arte....tudo junto, num post que ficou muito bom, Tuquinha. Jesuíno ali pertinho, Adriana abrindo os braços, outra morte anunciada, e a vida não é mesmo feita desses retalhos coloridos e e negros, menino? O bom é o que se faz disso, o que se cria, onde o homem põe a sua mão e transforma o que seri apenas dor em arte!

Beijos, querido!

Emilia Vaz disse...

Que bacana Tuca!Essas homenagens que tu fazes aqui são magnificas!
Não tenho muito a dizer a não ser que tenho a honra de conhecer um pouco desse gênio que tu és!
Bjcas

Dario B. disse...

A lamentar, (por vc) apenas a brevidade da estadia de tão predicada aeronave, ocasionada sem duvida por aquele senhor citado, que solerte vinha apreciar o resultado de seu desserviço com a tia da visitante. Ou muito me engano, ou ele tem mesmo um olhar ironico.

Marcantonio disse...

Sensacional! Só você mesmo, das "fotos" ao texto excelente.

Mas, rapaz, em se tratando de estátua, acho que uma assim ficaria bem melhor do que a original, de que, aliás, não gosto muito. O traje da Adriana faz lembrar uma pagã Koré grega de 500 A. C. Redentor, não fossem os óculos avant garde demais para aquela época, e esses braços abertos tão receptivos, sim, porque as Korai eram hirtas como pedra, e não tinham sorriso tão franco.
Quanto ao senhor sinistro da outra mesa, sendo mesmo o agregado, não imaginava a coisa tão feia assim! Quem tomaria tranquilo uma sopa rala (ou caldereta)ao lado de tal professor de latir? Mas se o Hélio Jesuíno o retratou assim, deve ser tal e qual, "cuspido e escarrado".
E, afinal, como é essa caldereta de 3,90? Está dentro do limite das minhas posses. Pergunto porque o poeta mencionada pelo garçom não sou eu, nunca frequentei essa simpática adega, a despeito do sinistro cachorrão-de-guarda.

Abraço.

Ps.: Vou já conhecer esse livro!

Pólen Radioativo disse...

Minha gente, como se já não fosse imensa a alegria de eu ter visto, abraçado, conversado e brindado com este moço, ele ainda me apronta uma dessas?!?!!? Tuquinha, aquele ultimo dia, a noite derradeira de minha passagem pelo Rio, aquelas duas horas, foram de uma satisfação que nem sei se imaginas. Pude ver de pertinho a maravilha que és tu, meu querido. Menino, e como tu falas mesmo, heim?! kkkkkk...

A comemoração do encontro não pôde ser plena devido às perdas e saudades, nossas e tuas, mas foi um momento que já guardei no meu coração na gavetinha dos mais felizes e especiais.

Amei as fotos e o post. Obrigada por mais este carinho.

Muitos beijos e cheiros...

Marcel Zaner disse...

É por causa de posts "aéreos" como esse que eu não me animo a fazer meu blogue decolar. Pra que? Ler blogues como o seu, Tuca, já satisafaz todas as minhas necessidades na blogosfera.
Não sei se já falaram, mas esta sua forma de postar quase sempre com várias ilustrações é rara, pra não dizer única. Principalmente assim, com as fotos amarradas ao enredo. E que enredo! Falar da morte com essa irreverência e leveza é para poucos.
Abração

Celinha H disse...

Cheguei ontem de São Gabriel da Cachoeira. Quase seis meses de trabalho intenso mas muito gratificante. Raros contatos com o mundo além selva, internet muito de vez em quando, visitas a blogs nem pensar. Que saudade do Desinformação Seletiva! Fiquei triste pelo Hélio, mas você logo me consolou com seu jeito bem humorado de encarar tudo, até a dor maior. Essa postagem está um primor!
Um beijão, querido

Jey Cassidy disse...

Eu caí fácil nos braços dessa beleza de enredo de samba!!!!!!!!!!!!

Thiago Thi disse...

fantástico!
concordo inteiramente com o Marcantonio e o Marcel. seu estilo de postar é unico, caro Tuca.
que viagem em texto e imagem pela vida e pela morte!

Aline Chaves disse...

Demais, demais, demais!!!
Mais uma postagem antológica, Tuquinha!
Beijo

Wilden Barreiro disse...

já mandei fazer uma pista no meu quintal.
aí desse avião se voltar ao Rio e não pousar lá em casa, aí de você, Tuca, se não ceder à chantagem que estou lhe preparando para garantir meus direitos aero-radioativos!

Wilden Barreiro disse...

já mandei fazer uma pista no meu quintal.
ai desse avião se voltar ao Rio e não pousar lá em casa, ai de você, Tuca, se não ceder à chantagem que estou lhe preparando para garantir meus direitos aero-radioativos!

Frederica disse...

Perfeito Tuca! Da sua crônica às fotos, do poema do Marcantonio ao fantástico desenho do Hélio... tudo faz pensar e sorrir.

Bjs

Paulo Jorge Dumaresq disse...

Postagem odisseica/sediciosa ou como surrealizar o breve encontro entre Adrica e Tuca na Ítaca Maravalha. Texto (Tuca), poema (Marcantonio) e desenho (Hélio) excelentes. Não esqueci do supersônico maranhense que deve ter colocado muito carioca pra dançar reggae. Beijos e parabéns homéricos.

Zélia Guardiano disse...

Postagem mais do que perfeita, amigo Tuca!
A menina Adriana, já, por si, um lindo poema! Poema azul. Azul Temporário, posto que ficou tão pouco, não?
O desenho de Jesuino, simplesmente espetacular! Assim como o Marcantonio, quero conhecer logo o livro.
E o texto, meu querido, é o SEU texto... Que mais preciso dizer?
Dá gosto fazer visita assim!
Abraço apertado!

Letícia Sarmento disse...

Salve bela Adriana! Salve precioso Marcantonio! Salve genial e saudoso Hélio Jesuíno!

E salve, salve você, Tuca, que reuniu essa trinca de peso para fazer um post maravilhoso!

Agora tenho que dar uma volta (a pé) por esse blogue que eu adoro e há meses não visitava.

Beijos e beijos

Antonio Alves disse...

Já conheço os ótimos blogs da Adriana e do Marcantonio (os três). Também conheço o do Helio, cheio de grandes atrações, mas não li sobre o livro Pecados Imortais. Vou correndo lá. Além de grande pintor, ele é uma fera no bico de pena!

Do seu texto. Tuca, acho que não preciso nem falar. Meus elogios já perderam qualquer força de impacto, de tão repetidos, não é?

Abração

Carla Diacov disse...

oxe, que isso tudo tá de lamber as beiças!

Tuca Zamagna disse...

A criação é "assim" com a dor, não é não, Taninha? Já começa no parto.
Beijos

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Menos, Emily, menos... Tá certo então, farei tua estátua no Corcovado como prometi. Não lá em cima, mas do tamanho dele!
Beijos

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Ele é todo ironia, Dario. Filho e mãe dela!
Abraços

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Eu segui, exatamente, o desenho da estátua, Marcantonio. Exceto na altura do peito, que o original não tem os dotes da Adriana. E (que fique entre nói) ela tem um rosto muito bonito. Mas, independente de comparações, essa estátua é horrorosa. Há que se ter um patriotismo cristão muito doentio para ver naquilo uma das maravilhas do mundo.
Abraços

ELAINE disse...

Uma 4ªF iluminada e repleta de bênçãos! Estou seguindo teu mosaico de seguidores e agradeço se me seguires de volta em meu mosaico! Seja bem vinda ao meu espaço, nosso espaço! Abraço fraterno e carinhoso!
Elaine Averbuch Neves
http://elaine-dedentroprafora.blogspot.com/

Salviano Adão disse...

Muito bom. Belo blog,boa postagem, parabéns.
Que Deus continue te usando e te abençoando
cada vez mais.

Ana Claudia disse...

Às vezes a morte é educadíssima, só se faz notar quando já está ali há muitos anos...