sexta-feira, 30 de abril de 2010

O domador de jaguarões - I

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Jaguarão fica no extremo sul do Brasil, quase no Uruguai. O nome da cidade deve-se à existência de um animal que habita os esconsos mais sombrios do inconsciente dos habitantes da região: uma onça, ou jaguar, enorme feito um boi.

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É dos dois de Jaguarão e dos esconsos sombrios do inconsciente – que vem o texto a seguir. Seu autor, Antonio Carlos Marques, meu tocaio (como lá se tratam os xarás), tem sete livros publicados e muitos outros na gaveta. Falarei mais sobre o escritor em mais dois posts em seqüência a este, nos quais incluirei também outros textos seus.

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O relógio parou*

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1 . . . . . O relógio parou: síncope do fim ou início do silêncio.

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2 . . . . . O relógio parou: aviso da decadência ou início da música.

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3 . . . . . O relógio parou: corda quebrada ou vida atormentada?

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4 . . . . . Estacionado no meio da rua, com perigos envolventes, o relógio parou seu matraquear da contagem sob medida recomendada.

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5 . . . . . O carro que passou por cima da figura imobilizada era a carruagem do tempo que corre por acima dos relógios que contam.

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6 . . . . . O vento da passagem tirou-lhe a pintura e a compostura.

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7 . . . . . Os cascos da condução tiraram-lhe a vestimenta e encomendaram-lhe o caixão.

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8 . . . . . O sino do alarme do despertador já não entoava o ruído do início da sofreguidão.

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9 . . . . . As cordas espalhadas pelos cascos são os tristes velocímetros do repouso. Seus emaranhados são as vísceras das mortas entranhas atiradas ao pó dos caminhos.

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10. . . . . Esse relógio abatido é o fim do sentido. Sentido do aprumo e da viagem. Sentido da elegância e da voltagem: se não tocardes o hino das boas realizações, não despertareis nas cordas dos Preciosos Embalos das Horas Que não Acabam Nunca.

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Eu, O Despertador.

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* Publicado em Pingos D'Alma, Volume III . . . . . . . .

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5 comentários:

Simone disse...

É impressionante. Parece ter sido escrito por anjos . Gente que nem conheceu fisicamente o relógio, mas coisas d'alma,que são antifisicamente alguma coisa politicamente-perfeitas.

Noutro dia falei com ele ao telefone
e fiquei impressionada com o estusiasmo que ele tem...
agradecida estou por teres me apresentado à turma do Jaguarão.
Agora sou amiga irmã do Di, seu filho.também um poeta escritor diferente do que imaginamos em literatura. tem mais anjo que letra nas palavras dele.
Simone

Tita Nasc disse...

Estranho, sombrio, meio sinistro, muito surreal. Adorei o seu "tocaio", Tuca!

Raíssa Medeiros disse...

Eu gostei. Só isso só. Beijos.

Deco disse...

Muito original, diferente, esse texto do seu amigo de Jaguarão. Posta mais que a gente traça!

Carlos Di jaguarão disse...

Tens razão os relógios daqui andam meio lentos. Um abraço lobisomado Tuca.