sábado, 27 de março de 2010

Seu Juca Sem Fio, um andarilho

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Conhecemos Seu Juca Sem Fio em Bangu, Zona Oeste do Rio, região pela qual ele circula, preferencialmente. Foi através dele que tivemos acesso aos originais da Autobiografia de um que nunca nasceu, de Fiophélio Nonato, de quem é amigo.

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Há tempos queríamos entrevistá-lo, mas não conseguíamos encontrá-lo. Agora isso se tornou possível porque descobrimos o endereço de um de seus “escritórios”, o Bar do Luís, em Vila Valqueire. E para lá fomos nós – Elza Magna, Anga Mazle, eu e Raíssa Medeiros, jovem e talentosa fotógrafa que nos foi apresentada pelo próprio Seu Juca. Ao ver a máquina fotográfica, ele logo perguntou: “É para a Playboy?” Rimos, e ele: “Se for para qualquer coisa menor, não posso, nem pelado nem vestido.”

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Tudo bem, vamos de ilustração mesmo para este longo papo (nesta e em pelo menos mais uma postagem) com o andarilho mais culto e misterioso do Rio.

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Tuca – Seu nome é Joaquim, Seu Juca?

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Seu Juca – Não, é Juca.

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Tuca – Mas, e o nome da certidão?

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Seu Juca – Sei não. Nem conheço essa senhora.

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Tuca – O senhor nunca usou o nome completo?

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Seu Juca – Tentei. Ninguém agüentou ouvi-lo até o fim. Mulher não agüenta nem um terço.

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Anga – Qual é o seu nome todo?

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Seu Juca – Juca Sem Fio de Telefone de Cabelo de Alta Tensão da Navalha da Meada de Todas As Outras Coisas Com Fio Ou Pavio Ou Desafio Quem Sabe O Que Se Pode Ou Não Se Pode Ser Ou Não Ser Nesta Vida Fiadora Desfiadora Enfiadora Desenfiadora Reenfiadora Quando Na Telha Lhe Dá Entrementes Outrossim Por Outro Lado...

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Anga – Tudo isso?

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Seu Juca – Essa não agüentou ouvir nem um décimo.

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Anga – Perdão.

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Seu Juca – Desculpar, eu posso. Perdoar, jamais. Perdão é coisa do Capeta.

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Elza – Não era de Deus?

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Seu Juca – Se era, foi. Possa ser que usou um tanto, largou num canto e o Demo levou.

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Tuca – O senhor é conhecido em toda a Zona Oeste do Rio. Sempre morou por aqui?

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Seu Juca – Nunca morei aqui. Na verdade, não morei um pouco em cada pedaçinho deste planeta.

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Anga – O senhor conhece o mundo todo?

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Seu Juca – Conheço esta Vila Valqueire em que estamos. Quando aqui não estou, desconheço. Não sei nem se é vila ou vilã. Mas... acho que me lembro vagamente de todo o Brasil.

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Elza – Esteve em todos os Estados?

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Seu Juca – Não, só nos que contam.

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Elza – Quais?

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Seu Juca – Os Unidos. Os nossos três não prestam nem pra troco.

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Anga – Três?

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Seu Juca – Ou quatro, se já inauguraram a Bahia.

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T.uca – Os três seriam Rio de Janeiro, São Paulo e...

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Seu Juca – Só os três que citei sem citar. Que esses dois aí não existem.

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Tuca – Estamos em Vila Valqueire, que fica na capital do Estado do Rio de Janeiro. Logo... nós também não existimos.

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Seu Juca – Vocês, não sei. Eu, por enquanto – por enquanto! – não dependo de lugar nenhum para existir ou não existir..

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Elza – O senhor pensa em se fixar, no futuro?

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Seu Juca – Jamais. O futuro é escorregadio, mais engraxado que mulher de mecânico. Antigamente, eu era dado a pensar, e muitas vezes pensei assim: amanhã eu faço. Acordava no dia seguinte e já era hoje. Quando não era ontem ou anteontem. Uma dádiva! Nunca precisei fazer nada, porque sempre deixo tudo para o amanhã que não chega nunca. Porque a Deus pertence, e o Cara é munheca, ruim de jogo pra meireles. Nem emprestar o futuro pra gente dar uma folheada o Garrucha empresta.

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Elza – Então por que o senhor frisou tanto que, POR ENQUANTO, não depende de lugar nenhum para existir?

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Seu Juca – Porque ando cismado que um dia eu vá morrer. E se isso de fato ocorrer, vou precisar de um chão. Todo defunto precisa de um chão, é o que eu acho. A única imoralidade que reconheço é a de defunto que fica por aí despido de chão. E o pior dos crimes é assassinar alguém e largar o seu corpo na rua, sem enterrar. Um grande desrespeito às autoridades, à sociedade, às famílias. Exceto a do assassinado.

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Anga – Exceto a do assassinado?

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Seu Juca – Sim. As famílias gostam de enterrar, elas próprias, os seus mortos. Mesmo que eles tenham sido baleados de tal maneira que mais pareçam um ralador de queijo do que um presunto normal. (Corre os olhos pelo chão, pensativo, e volta a falar, com ar professoral)... Queijo com presunto rima com mudar de assunto. Estou com fome.

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Tuca – Peça alguma coisa, é por nossa conta. Por favor, garçom, o Seu Juca vai querer...

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Seu Juca – Um ovo.

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Tuca – Só?

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Seu Juca – Com outro ovo. E pão por cima. (Virando-se para a Anga e apontando o MP3) Quando for tirar minhas palavras daí, minha filha, cuidado para não esquecer de botar o til no pão. Dois ovos com pao por cima não fica bem.

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Parada técnica (Elza teve um ataque de riso tão histérico com a história do “pao”, que tombou da cadeira, derrubando Anga e o nosso MP3, que pifou. Para continuar a entrevista, contamos com a gentileza do seu Luís, dono do boteco, que nos emprestou um velho gravador de rolo. Assim que Anga conseguir manejá-lo melhor e fizer a transcrição da fita, postaremos o restante da entrevista.) (Em tempo: Elza passa bem. Mas ainda tem umas recaídas quando vê – ou alguém fala em – pão.)



A segunda parte da entrevista está aqui.


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17 comentários:

heliojesuino disse...

Graaaande Juca!
Sabedoria lisa como sabão ...
Esse faz jus á máxima dos andarilhos - quem não tem meta não perde o rumo...

Mendonça disse...

Eu conheci um andarilho que era "parente" do Seu Juca. Todos só o chamavam de "Sem Fio", porque andava com um fone de telefone no bolso. Às vezes colocava o fone no ouvido e começava a falar, tinha grandes discussões com a mulher, com a mãe, com amigos, com seu agente na bolsa de valores... Uma vez perguntei por que ele usava o fone, e ele respondeu: "Se eu falar sem isso, vão dizer que eu falo sozinho."

Celinha H disse...

Sensacional, genial o seu Juca!

Natalia F.S. disse...

kkkkk Que figuraça o Seu Juca, Tuca!

Alexandre Raine disse...

Adorei esta entrevista com Seu Juca na Vila Valqueire!!!Desinformação Seletiva é tudo de bom!

Clara Belisário disse...

Muito bom, bom demais! Que venha logo a continuação Tuca!

Thiago Thi disse...

Muito doido, arrasou o Seu Juca!

Tuca Zamagna disse...

Exatamente, Jesuíno. E muita gente não se conforma com a opção dos andarilhos de mandar à favas essa vidinha de merda que a sociedade oferece como supremo manjar.

Esse "primo" do Seu Juca circulava pelo Flamengo, Mendonça? Pergunto porque na Praça São Salvador aparecia um que também usava um fone à guisa de celular.

Valeu, Alexandre! Bom vê-lo por aqui, representando a velha guarda da ECO.

A continuação virá logo, Clara. Pode aguardar.

Celinha, Natalia e Thiago, obrigado pelo apoio constante.

Aloisio Trobinski disse...

Seu Juca é um sábio, um gênio!

Aline Chaves disse...

Conheci seu blog há pouco tempo Tuca. Super legal. Curti muito tudo o que li, principalmente esta entrevista fantástica. Bjs

Raíssa Medeiros disse...

Haha. Eu ri bastante. Tá AHAZANU, Seu Juca Sem Fio. ,]

Lupe disse...

Fantástico o Seu Juca. O comentário dele sobre os mortos é genial!!

Tuca Zamagna disse...

Ele é mesmo, Aloisio.

Valeu, Aline!

Arrasando está você, Sra. Raissa!

Na continuação da entrevista tem coisas incríveis, Lupe. Inclusive sobre a morte, da qual ele fala com a desenvoltura de quem caminha sem susto por qualquer dimensão.

Margaryda disse...

Muito bom! Adorei o lance do pão sem til.

Zélia Guardiano disse...

É demais o Seu Juca!
Caramba!!!
Pura sabedoria...
Abraço.

Maria Janice disse...

Viajei no que deve ser a compreensão e mundo dele. Fantástica criatura!
E ri muito aqui.

beijo.

Sylvio de Alencar. disse...

Pronto, fiz o que deveria ter feito a muito tempo: assinei o feed deste blog.

Aliás..., um PUTA BLOG!

Quanto à postagem, sem palavras...; meu repeito por você e pelas meninas aumentou.
Outra coisa boa demais!!!!: a criatividade, o bate bola esperto, a inventividade, a inteligência da entrevista me lembrou do Pasquim.

Um beijo a todos vocês. PARABÉNS!!!!