sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Drama de Angélica

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"Soprava o zéfiro/ ventinho úmido/
então Angélica/ ficou asmática"

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Não, não há nenhum drama, pelo menos que a Caras saiba, perturbando a paz cor de rosa com bolinhas azuis da conhecida apresentadora de TV. A Angélica de que estamos tratando é a da música gravada em 1943 por Alvarenga e Ranchinho, a mais criativa e engraçada dupla sertaneja de todos os tempos.

Abaixo um clip com a gravação original da dupla. E abaixo do clip, a letra dessa toada valsada, pioneira no uso exclusivo de versos terminados em proparoxítonas, recurso usado por outros letristas posteriormente - inclusive Chico Buarque, em Construção.

Em tempo: o clip talvez seja mais engraçado que a música, de tão ruim que é...



Drama de Angélica
(de Alvarenga e M. G. Barreto)

Ouve meu cântico/ quase sem ritmo
Que é a voz de um tísico/ magro esquelético
Poesia épica/ em forma esdrúxula
Feita sem métrica/ com rima rápida
Amei Angélica/ mulher anêmica
De cores pálidas/ e gestos tímidos
Era maligna/ e tinha ímpetos
De fazer cócegas/ no meu esôfago


Em noite frígida/ fomos ao Lírico
Ouvir o músico/ pianista célebre
Soprava o zéfiro/ ventinho úmido
Então Angélica/ ficou asmática
Fomos ao médico/ de muita clínica
Com muita prática/ e preço módico
Depois do inquérito/ descobre o clínico
O mal atávico/ mal sifilítico

Mandou-me célere/ comprar noz vômica
E ácido cítrico/ para o seu fígado
O farmacêutico/ mocinho estúpido
Errou na fórmula/ fez despropósito
Não tendo escrúpulo/ deu-me sem rótulo
Ácido fênico/ e ácido prússico
Corri mui lépido/ mais de um quilômetro
Num bonde elétrico/ de força múltipla

O dia cálido/ deixou-me tépido
Achei Angélica/ já toda trêmula
A terapêutica/ dose alopática
Lhe dei em xícara/ de ferro ágate
Tomou num folego/ triste e bucólica
Esta estrambólica/ droga fatídica
Caiu no esôfago/ deixou-a lívida
Dando-lhe cólica/ e morte trágica

O pai de Angélica/ chefe do tráfego
Homem carnívoro/ ficou perplexo
Por ser estrábico/ usava óculos
Um vidro côncavo/ o outro convexo
Morreu Angélica/ de um modo lúgubre
Moléstia crônica/ levou-a ao túmulo
Foi feita a autópsia todos os médicos
Foram unânimes no diagnóstico

Fiz-lhe um sarcófago/ assaz artístico
Todo de mármore/ da cor do ébano
E sobre o túmulo/ uma estatística
Coisa metódica/ como Os Lusíadas
E numa lápide/ paralelepípedo
Pus esse dístico/ terno e simbólico
Cá jaz Angélica/ moça hiperbólica
Beleza helênica/ morreu de cólica

4 comentários:

Nelson Ferraro disse...

Sensacional. E o vídeo também, é tão ruim que chega a ser trash.

Nane Guessa disse...

Puta que pariu as proparoxítonas - FALA SÉRIO!

regina coralpt disse...

O meu Tico ficou deveras encantado, já o meu Teco desandou a palavrear proparoxítonas totalmente desconhecidas para mim...Cruzes, que crise esquizofrenica-lexicográfica, pô!

Tuca Zamagna disse...

Prezadíssimo espécime fêmea da família régia,
Não dê tímpanos a súbitas e prosélitas réplicas e tréplicas estapafúrdias de seu único indivíduo neurológico esquizofrênico. Ele não passa de um simbólico bólido estetoscópico-mefistofélico

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