terça-feira, 24 de novembro de 2009

Portadores de necessidades sexuais

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Poetar em maço de cigarro
pode causar câncer na musa?



Estava procurando certa carta do meu irmão Paulim Muleta, da época em que ele se internou na Universidade de Louvein para fazer o mestrado em Comunicação Social ou enlouquecer de melancolia naquela cidade que, quando tem uma meia-horinha de sol, o pessoal passa semanas e mais semanas de céu fechado enchendo a cara para celebrar o grande dia que fez sol. Não achei a tal carta, mas achei outras dele, todas enormes, quatro folhas pelo menos, datilografadas dos dois lados numa letrinha desgraçada, de máquina que deve ter sido feita para redigir bula de remédio. Comecei a reler uma história sobre o baita a perigo dele, então há meses batalhando para descolar uma mulher disposta a dar para um brasileiro durango, gordo, barbudo e paraplégico – digo, deficiente físico – digo, portador de necessidades especiais – digo... alguém sabe a última asneira politicamente correta que inventaram para dificultar ainda mais a compreensão do que seja um aleijado?

Bem, me lembro que no final Paulim acabou arranjando uma tranqueira alemã que o comeu cru, com casca e tudo – a roupa e as armações de ferro que sustentavam suas pernas no caminhar de muletas. Não me lembro se a fräulein voraz livrou a cara das muletas, nem cheguei a tirar essa dúvida, porque, de repente, do meio das folhas da carta, saltou um poeminha escrito num tasco de embalagem de roliúde (alguém sabe se alguma nova lei anti-fumo proíbe que se toque nesses nomes cancerígenos via net? ou se o Dráusio Varela já disse na grobo que poema escrito em papel de cigarro causa câncer de mama na musa?)

Me lembro da noite em que eu o escrevi. Estava no Lamas, mandando ver no chope com genebra, como vinha fazendo há semanas, para comemorar um dia de meia-horinha de sol dentro de mim. Eis o poema, que espero não tenha lambuzado de câncer a musa da ocasião:

Eu sabia que não devia olhar de novo
Mas a mulher tinha um olhar desses que reduzem a pó qualquer senso de dever,
Olhares que pousam na gente com ternura e de repente se fecham como alçapões
Abocanhando nossos olhos, lábios, língua, coração, sexo, conta bancária...
Nem pensar, nem pensar!

Não pensei, e a encarei.
Seus lindos olhos refletiam uma alegria tão intensa
Que, no ato, fiquei cego de paixão.
E a amei loucamente por vários chopes,
Até perceber que ela apenas flertava
Com o cartaz colado na parede atrás de mim.

Lamas, junho de 1974

A caricatura acima não é
muito fiel – mas quem o é?


Essa figura de ar apalermado e afrescalhado que desenhei não tem muito a ver com o Paulim. Ele é bem pior que isso. A touceira à esquerda, que parece maconha, é maconha. Mas é da vizinha dele em BH, uma prussiana hoje octagenária que veio da Bélgica na cola do mineirrinho charmosa e vive em concubinato com as muletas do mano há mais de dez anos, desde que ele se tornou cadeirante. (Ô palavrinha mais adequada, sô. Deve elevar bastante a auto-estima do usuário de cadeira de rodas, afinal rima com escada rolante. E com tratante, ignorante, elefante, traficante...)
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4 comentários:

Karrão disse...

que poeminha mais safadinho de bonitinho...

Rindo de nervoso... ainda disse...

Era uma Olivetti miudinha, que me acompanhou mundo a fora. Algo como uma avó dos netbook, que me acompanhou até quando, no final dos anos oitenta, entrei no mundo da informática. Está guardadinha, tal um troféu de velha amiga. A letra apertandinha, e o frente e verso era pela necessidade de se economizar nas tarifas postais. As cartas, naqueles meados dos 70, demoravam 10, 15 dias para chegar.
Tuca, o blog está lindo e competente. Acho que você encontrou seu cavalo selado. Obrigado pela homenagem. Beijão.

Tuca Zamagna disse...

Também guardo a minha Remington Monark, anos 50. Portátil, mas pesada que só ela, toda em liga de alumínio duríssimo. Só que ela é letruda, lembra? Trocamos muita carta usando as duas. Por isso você tem a vista zerinho e eu não enxergo mais a ponta do meu nariz.

Sobre a economia da escrita em frente e verso, eu sabia o motivo. Só não destaquei na postagem pra não entregar seu pão-durismo às milhões de pessoas que me lêem...

Elogios dobrados e guardados no peito, vou em frente... Aiô, Silver!!! (Todo mundo lembra, claro, que este era o nome do cavalo do Zorro, o caubói amigo do índio Tonto, não o espadachim. Ou será que era Rintintim?)

Beijão

Tuca Zamagna disse...

Safadinho de bonitinho é você, Karrãozinho...