Moacyr Scliar
23.03.1937 – 27.02.2011
“Um dia – ou uma noite, de preferência uma noite, a noite é mais propícia para gente como nós e para a evocação da memória que deixamos – alguém lembrará de mim. Quando isso acontecerá, não sei. Daqui a muito tempo, acho. Séculos, milênios, quem sabe. A entidade que sou – pobre entidade, modesta entidade, lamentável entidade – terá desaparecido. Estarei reduzido a diminutas partículas que ventos e águas disseminarão pelo mundo. Uma partícula fará parte de uma pedra, outra estará na casca de uma fruta, outra na córnea de um leão, no pelo de uma raposa, no osso de um ser humano. Dispersão à parte, é isso permanência? Eu gostaria muito de responder que sim; negar a morte faz parte de nossa precária condição humana, e recorremos a todos os malabarismos do pensamento, a todas as formas da fantasia para atingir esse objetivo. Mas não adianta, não é? Não adianta. Metáforas consolam, mas não resolvem nosso problema: vamos adoecer, vamos morrer, e as partículas não nos preservarão. Partículas não pensam, não almejam, não tentam antecipar o futuro. Partículas não anseiam por se reunir, como ansiaram por se reunir as pessoas que aqui estão; partículas não anseiam por reconstruir o ser humano de que um dia fizeram parte. Partículas não atendem por um nome, partículas não têm sonhos nem desejos, partículas não escrevem em pergaminhos, não interpretam o que está escrito em pergaminhos. Não posso, portanto, ter ilusões. Evocar não é ressuscitar. Essa história de “viverá para sempre na memória dos pósteros” é mentira. Mentira piedosa e consoladora, mas mentira.
Não que eu recuse as ilusões ou a mentira; de certo modo, as ilusões e a mentira são, para mim, um modo de vida. Sou apenas um criador de sonhos. Do ponto de vista do futuro, sou descartável. Se tenho algum lugar reservado, é na lata de lixo da história, gigantesco recipiente que já recebeu, milhões, bilhões de pessoas, com suas frustradas aspirações, seus desejos não realizados, seus falidos projetos. (...)”
in Manual da Paixão Solitária, Companhia das Letras, 2008, pág. 12
19 comentários:
só o tempo (me)dirá a força dessas palavras,
abaço
Puxa, eu não sabia ainda que ele tinha morrido, Elza. Grande escritor. Não li esse livro que você cita, mas adorei os contos de "A orelha de Van Gogh".
beijos
Bela homenagem, Elza. Uma citação perfeita para ilustrar a partida de um grande escritor. Que permaneçam na memória da gente os seus escritos, ou, ao menos, semeadas pelo mundo, as suas partículas, Scliar.
Um excelente escritor,a literatura perde.
Desculpe a ausência estive doente.
Excelente semana,com boas energias,paz,saúde e luz!
bjs poéticos
Mari
Ele vinha muito mal desde a operação. Uma lamentável fatalidade.
Muito oportuna a lembrança deste texto, Elza.
Abraços
O imortal morreu. Mas continua vivo.
Bela homenagem.
O sertão,um dia,vai virar mar.
Imortais não morrem.
Permanecem encantados!
Bela homenagem Elza!
Um abraço!
HOLA...SALUDOS Y GRACIAS POR TUS COMENTARIOS...TIENES UN BLOG PRECIOSO E INTERESANTE....TE SIGO.
BIRD
Isso tudo transcende toda essa babaquice que vivemos.A vida deveria ser uma grande festa.
BeijooO*
Um escritor com uma obra imensa e variada. Gosto muito de seus contos e romances fantásticos.
Beijos, Elza
Gente especial como o Scliar não parte, Elza. Passeia. Sua "casa" continua aí, aberta para todos nós.
Beijos
Um criador de sonhos nunca é descartável porque os sonhos que criou lhe sobrevivem! :)
the trampoline elefant is fantastic.
Mais uma estrela no céu!
Bjo e paz, amiga.
Um excelente escritor que perdemos,
e segundo pessoas próximas a ele, era um ser humano fantástico.
Esse texto dele parece até uma despedida...! Obrigada.
beijo
Que vida intensa e produtiva teve o Scliar, Elza. Conseguiu conciliar suas atividades de médico com a literatura e produziu uma uma obra vasta e de qualidade.
Beijos
Olá, Elza. Vim aqui agradecer pelo seu comentário em meu blog. Foi uma grande surpresa, já que eu não divulgo nem nada. Obrigada por gostar dos meus textos.
E aqui é bem interessante. Vou seguir!
Faleceu dois dias após a minha mãe. Foi velado e enterrado no mesmo cemitério que ela foi também. Beijos
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